A angústia me apertava o peito como um nó cego. A sensação de que algo terrível havia acontecido se intensificava a cada toque em falso no celular. A ausência de respostas do pai de Sarah, era um prenúncio sombrio. Eu precisava agir, e rápido.
Respirei fundo, tentando controlar o pânico. O Rio de Janeiro, com sua beleza ensolarada, parecia agora uma armadilha. A luxuosidade do hotel, antes um deleite, transformara-se em uma prisão dourada. A imagem de Sarah, com seus cachinhos e sorriso inocente, invadiu minha mente, impulsionando-me, mas, infelizmente, apenas com maus pressentimentos.
Sem pensar duas vezes, vesti-me rapidamente, peguei minha bolsa e saí do quarto. Precisava chegar à recepção, pedir informações, qualquer coisa que me levasse a um paradeiro, uma pista. No caminho, decidi ligar para o meu pai.
Peguei o celular e disquei seu número. Precisava da ajuda dele, mesmo que isso significasse ouvir repreensões.
A chamada foi atendida no terceiro toque. ‘Alô, pai?’
‘Angélica? Que bom que ligou. Sua mãe me contou que você estava preocupada com a Sarah. O que aconteceu?’ A voz dele soava cansada, mas firme.
‘Pai, o Mauro buscou a Sarah na casa da mãe sem me avisar. Ninguém consegue falar com ele. Eu estou no Rio, a trabalho… quer dizer…’ Angélica hesitou, a culpa a corroendo. ‘Eu não sei onde ele levou a minha filha.’
Houve um silêncio pesado do outro lado da linha. Eu podia quase sentir a decepção do pai através do telefone. Então, a voz dele trovejou, carregada de censura.
‘No Rio? A trabalho? Que tipo de trabalho? Angélica, você me decepciona profundamente. Justo agora que eu também precisei me ausentar, você se afasta da sua filha? Eu entendo que você queira ter sua vida, mas a Sarah precisa de você, principalmente nesses momentos. Eu não pude estar lá, precisei resolver assuntos urgentes, mas você… você escolheu ir passear no Rio enquanto sua filha está desaparecida!’
As palavras do pai me acertaram como um soco. As lágrimas voltaram a brotar em meus olhos, mesmo eu estando no saguão do hotel. ‘Pai, eu… eu sei que errei. Mas eu preciso encontrar a Sarah. Por favor, me ajuda. Você tem alguma ideia de onde ele possa ter levado ela?’
Apesar da repreensão, senti um alívio ao ouvir a voz do meu pai. Sabia que, apesar da bronca, ele a ajudaria. Até nisso éramos parecidos.
‘Eu vou tentar ligar para alguns conhecidos, ver se alguém tem alguma notícia dele. Você precisa ir à delegacia registrar um boletim de ocorrência por sequestro parental. Mesmo que ele seja o pai, ele não tinha o direito de levar a menina sem o seu consentimento. E pare de se culpar por um momento, Angélica. Foque em encontrar a Sarah. Eu vou te ajudar com isso.’
‘Obrigada, pai’, respondi com a voz embargada. ‘Eu vou fazer isso agora mesmo.’
Desliguei o telefone com o coração apertado, mas com uma nova determinação. Precisava seguir o conselho do meu pai. Ir à delegacia era o próximo passo. Mas antes, precisava disfarçar minha aflição perante Evandro. A situação era delicada, e eu temia a reação dele caso descobrisse a verdade sobre a súbita busca por minha filha. Ou poderia confiar nele a esse ponto?
De volta ao quarto, respirei fundo antes de abrir a porta. Evandro estava sentado na cama, trabalhando em seu notebook. Ao me ver, sorriu.
‘Voltou rápido. Achei que precisava de algo do hotel, ou estava na piscina. Fique tranquila que acho que teremos um tempinho para que faça comprinhas, sei que vocês, mulheres, adoram esse programa. Alguma novidade?’, perguntou, com um tom casual, mas um olhar que me sondava de alto a baixo.
Senti meu estômago embrulhar. Tinha de confiar nele, afinal, necessitava de toda ajuda possível. ‘Evandro… preciso te contar uma coisa.’
Sentei-me à beira da cama, e as lágrimas voltaram abundantes em meus olhos. ‘Eu sei que deveria ter te contado assim que recebi a notícia. Me perdoa. Mas a Sarah… o pai dela a levou sem me avisar, e eu estou desesperada. Ninguém consegue falar com ele. Eu não sei onde ele levou a minha filha.’
Evandro então se levantou e se aproximou de mim, colocando as mãos em meus ombros. Pela primeira vez desde a ligação da minha mãe, me senti mais protegida. ‘Calma, Angélica. Me explica direito o que aconteceu.’
Contei com detalhes toda a história, desde a ligação da mãe até a conversa com meu pai. Evandro ouviu atentamente, com uma expressão que oscilava entre a surpresa e a preocupação. Quando terminei, ele me abraçou forte.
‘Meu amor, não se preocupe. Nós vamos resolver isso. Eu vou te ajudar a encontrar o pai da Sarah e entender o que está acontecendo.’
Ao mesmo tempo que me senti grata pelo apoio de Evandro, fiquei também um pouco desconfortável. Aquele “meu amor” soou possessivo, e o olhar dele, enquanto me abraçava, tinha uma intensidade que intimidava.
‘Evandro, eu… eu não quero te incomodar com os meus problemas.’
‘Bobagem’, respondeu ele, afastando uma mecha de cabelo do meu rosto e me acariciando a bochecha. ‘Você não me incomoda. Pelo contrário. Eu quero te ajudar. E mais do que isso… quero cuidar de você.’ Ele se aproximou mais, seu hálito quente tocando meu rosto. ‘Você é muito importante para mim.’
Engoli em seco. Aquele toque, aquele olhar, era como me dizendo que eu estava assinando um acordo implícito entre nós. O dinheiro, a viagem, a companhia… tudo aquilo tinha um preço, e uma hora eu teria de pagar, como já tinha dado amostras poucas horas antes.
‘Vou ligar para alguns contatos’, disse Evandro, afastando-se. ‘Vou acionar meus advogados e ver se consigo falar com alguém na polícia daqui. Não se preocupe, vamos mobilizar tudo o que for preciso para encontrar esse sujeito.’
Evandro pegou o celular e começou a fazer ligações. Eu o observava enquanto ele falava com alguém em um tom autoritário, dando ordens e exigindo informações. A influência e o poder de Evandro eram evidentes.
‘Já estou vendo com meu pessoal para desmarcar os compromissos de amanhã’, disse ele, desligando o telefone. ‘Vamos voltar o mais rápido possível para casa. Lá terei mais recursos para te ajudar.’
Só consegui concordar, sentindo-me cada vez mais dependente daquele homem. A ajuda dele era inestimável, mas o preço a ser pago ainda me assustava. O olhar de Evandro, cheio de desejo e possessividade, deixava claro que ele não estava apenas sendo um bom samaritano. Ele queria algo em troca, e eu sabia exatamente o que era. Aquele sentimento de gratidão se misturava com uma crescente sensação de aprisionamento. Eu havia entrado em um jogo perigoso, e agora precisava jogar até o fim.
As horas seguintes foram um turbilhão de telefonemas e mensagens. Evandro mobilizou seus contatos, acionando advogados e conhecidos influentes na polícia. Eu só permanecia em silêncio, sentada na beira da cama, com o celular na mão, atualizando as mensagens a cada minuto, na vã esperança de uma ligação do pai de Sarah. A cada toque do telefone, meu coração disparava, mas era sempre um engano. A garrafa de vinho havia sido esvaziada, e assim eu consegui parar de chorar.
Evandro andava de um lado para o outro no quarto, com o celular grudado na orelha, falando em um tom firme e autoritário. ‘Eu quero informações concretas. Não me interessa se ele é o pai. A criança está desaparecida e eu quero saber onde ela está.’
A tensão no ar era palpável. Eu conseguia sentir o olhar de Evandro sobre mim onde quer que eu me movesse dentro daquele quarto, um misto de preocupação e desejo. Aquele homem estava movendo mundos e fundos para ajudar-me, mas eu sabia que nada era de graça. O preço daquela ajuda pairava sobre mim como uma sombra.
De repente, o telefone de Evandro tocou. Ele atendeu rapidamente, e o semblante antes tenso se transformou em uma expressão de alívio. ‘Conseguiram localizá-lo.’ Ele me encarou, com um sorriso reconfortante, mas com um brilho intenso nos olhos. ‘Eles estão em um hotel há uns 80km de nossa cidade.’
Senti um alívio orgástico ao ouvir aquilo. Mas, foi momentâneo. A apreensão logo voltou, ainda mais forte. O que aconteceria agora? O que o pai de Sarah diria? E qual seria o papel de Evandro em tudo aquilo?”
‘Vamos embora agora então daqui, vamos direto para lá.’ Evandro era perito em dar ordens e conduzir os assuntos. Eu apenas obedeci bovinamente. Comecei a fazer as malas que mal havia desarrumado. Mas, minha filha agora era a prioridade.
ARI JUNIOR, PIRACICABA, 23 DE DEZEMBRO DE 2024.
Carregado de emoção, o autor nos guia numa transição de deleite (visto nos últimos capítulos) a um clima de tensão que faz a leitura passar sem você perceber!
Aguardando os próximos episódios!