A Devoção ao Artista – Ontem, Hoje e Sempre

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Há algo profundamente humano na forma como nos apegamos a figuras públicas, especialmente aquelas que nos emocionam através da arte. Seja no frenesi de um show, na fila interminável para um autógrafo ou na peregrinação a um túmulo, a devoção aos ídolos parece transcender épocas e culturas. E, nos últimos dias, o Brasil testemunhou mais um capítulo dessa obsessão coletiva: a visita de Lady Gaga ao país.

Fãs acampando por dias em frente ao hotel, chorando ao avistá-la de longe, brigando por um pedaço de roupa que ela supostamente tocou. Alguns pagaram fortunas por ingressos, outros viajaram centenas de quilômetros, com horas de espera em filas, só para dizer que estiveram no mesmo espaço que ela. Não é novo, mas sempre causa espanto. Afinal, o que leva alguém a tamanha entrega?

Pouco antes, outro fenômeno de devoção ocorria com Gilberto Gil e sua turnê Tempo Rei, anunciada como sua despedida dos palcos. Os ingressos se esgotaram em minutos, e multidões compareceram não apenas para ouvir suas canções, mas para testemunhar um momento histórico, um último adeus. Havia ali uma reverência quase religiosa, como se estivessem diante de um santo secular, um profeta da música.

Voltando no tempo, nos anos 1950 e 1960, o rádio era o grande veículo de idolatria. Cantores como Cauby Peixoto e Francisco Alves eram tratados como deuses. As fãs – quase sempre mulheres jovens – escreviam cartas apaixonadas, seguiam os artistas de cidade em cidade, esperavam horas nos fundos das emissoras para vê-los por alguns segundos. Quando Cauby Peixoto subia ao palco, era comum que moças desmaiassem ou arrancassem pedaços de suas roupas como relíquias. Era um comportamento tão intenso que a imprensa da época não sabia se retratava aquilo como admiração legítima ou loucura coletiva. Mas, no fundo, era a mesma essência: a necessidade de tocar o inatingível, de pertencer a algo maior.

Se avançarmos ainda mais no tempo, veremos que essa devoção não é um fenômeno moderno. Na Grécia Antiga, atores e dramaturgos eram venerados. As peças de Ésquilo, Sófocles e Eurípides não eram apenas entretenimento – eram experiências quase sagradas. O teatro era um espaço de catarse, e o público se emocionava, gritava, chorava, como hoje fazemos em shows.

Saltando para os séculos XX e XXI, a idolatria assumiu novos formatos, mas a essência permaneceu. Elvis Presley teve – e ainda tem – fãs que visitam Graceland como se fosse um santuário. Michael Jackson, décadas após sua morte, ainda recebe peregrinos em seu túmulo, e seus discos ainda são vendidos aos milhares. No Brasil, Raul Seixas virou figura quase mítica, como um guru espiritual, com fãs que repetem suas frases como mantras, covers espalhados pelos quatro cantos da nação, verdadeiros seguidores que fazem passeatas anuais cantando suas músicas e romarias ao seu memorial na Bahia.

Há algo exótico, quase cômico, nessa entrega total a um ídolo. Colecionar objetos, organizar fã clubes, decorar a casa com fotos, viajar quilômetros para ver um show – tudo isso pode ser visto como uma paixão inofensiva, quase um passatempo, mas, será só isso mesmo? Quando a linha entre admiração e obsessão se dissolve, as consequências podem ser sombrias.

O assassinato de John Lennon por um fã que queria “entrar para a história” é um exemplo extremo. A histeria em torno de celebridades como Kurt Cobain ou Amy Winehouse, cujas vidas foram consumidas pelo peso da fama, mostra o lado destrutivo dessa relação. E, muitas vezes, os próprios artistas se tornam prisioneiros da imagem que criaram, incapazes de viver fora do altar onde foram colocados, com consequências funestas às vezes.

Por fim, a devoção aos artistas é um reflexo de nossa necessidade humana de transcendência. Eles encarnam nossos desejos, nossas dores, nossa busca por beleza e significado. Por um momento, no palco ou na tela, eles nos fazem acreditar que a magia é real. Mas talvez valha a pena lembrar que, por trás do mito, há sempre uma pessoa. E que a melhor forma de honrar um ídolo não é colocá-lo num pedestal inalcançável, mas celebrar e propagar sua arte sem perder de vista nossa própria humanidade. Afinal, como já disse o próprio Raul Seixas, “eu sou o que eu sou e pronto” – e talvez essa seja a maior lição que qualquer artista pode nos deixar.


📰 Esta publicação também está no jornal O Democrata!

Nosso artigo foi publicado na edição do dia 03/05/2025 do jornal O Democrata, na página 5.

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Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

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