A MENINA QUE NÃO RECEBIA POESIAS

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O sorriso metálico denunciava: Rute tinha os dentes tortos. Isso a irritava sobremaneira. Até porque os moleques jamais viam aquele aparelho com o mesmo “glamour” que viam nos aparelhos das belas meninas do primeiro ano do ensino médio. No caso dela, ele era apenas motivo de chacotas. “Ei, dente torto.”, “Ei, me ajuda a abrir essa lata aqui… não, com a mão não, com os dentes.” – Eram as pilhérias mais comuns dos moleques, o que deixava Rute triste consigo mesma. Já que não era bonita como a Marcela e a Bianca, por que, pelo menos, não ter os dentes alinhadinhos? Aquela presa que nascia remontada no outro dente então, era o maior desgosto da sua vida. Ouvia dizer que nos tempos antigos, não tinha nada disso de se ficar cuidando de dentes remontados colocando aparelho. Arrancava-se o dente intruso e pronto! Mas com certeza, banguela ela ficaria ainda pior. Ai! O que fazer meu Deus?
“Festa. O melhor e o pior do período pós-aulas. Afinal, ou você era ovacionada, ou apupada completamente. Ou o cara mais lindo do recinto babava por você, ou nem o mais feio olhava para você, preferindo vomitar de bêbado no banheiro do clube do que te beijar.” Rute pensava assim consigo mesma e já sentia um arrepio de medo de ir, pois sabia que a segunda opção era a mais propícia a acontecer consigo. Mesmo assim, incentivada pelas amigas Pâmela e Shirlei, acabou cedendo. Por que fez isso?! Mal entrou na festa, podia-se perceber os risinhos maledicentes nos cantos. As outras meninas sentiam um prazer sádico em humilhar Rute. Por causa dos óculos “fundo de garrafa”? Não era uma questão de dinheiro, simplesmente não conseguia se adaptar com lentes de contato. Por causa da sandália baixa de borracha? Oras, não gostava de usar sandálias de salto alto pois judiavam demais de suas panturrilhas, além de deixá-la mais desengonçada que o normal. Ou seria por causa dos malditos dentes tortos? Para corrigi-los ela já usava o aparelho e o dentista já havia dito que era questão de tempo. Alguns anos, tudo bem. Mas pouco tempo. Era jovem ainda, e linda. Tentava desesperadamente se convencer disso. E mesmo que ninguém percebesse, era linda. E ainda por cima de todas as suas maravilhosas e invisíveis qualidades, gostava de poesia.
Puxa vida, que vício era aquilo. Começou com pequenos versos, lendo Mário Quintana ainda por imposição da professora de Língua Portuguesa:

“Eu agora – que desfecho!
Já nem penso mais em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?”

Essa simplicidade aliada com uma meiguice, uma complexidade única de rimar as palavras e “casar” os sons hipnotizou Rute. Amava poesia. Carlos Drummond, Vinícius de Moraes, Ferreira Gullar, João Cabral, Cora Coralina, Rachel de Queiroz, para citar alguns, eram todos seus escritores de cabeceira. Cada um no seu estilo, um, mais apaixonado, outro, mais técnico, mas todos com uma graça, uma habilidade singular com as palavras, e isso a cativava fazendo-a sonhar de olhos abertos:

  • A maior declaração de amor que alguém pode fazer é criar uma poesia para outra pessoa.
    E imaginava isso para si. Um príncipe, muito lindo, de ombros largos e mãos grandes, forte e protetor, desembrulhando o pequeno papel, nem que este estivesse todo amassado e surrado, e ato contínuo dá-lhe o supremo presente: uma poesia, um soneto ou mesmo uma ode, por mais triste que esta fosse, pelo menos eram palavras carinhosas, rimadas, pensadas, e direcionadas exclusivamente para ela. Porque era esse seu conceito sobre um poema: uma criação ímpar, direcionada para alguém também exclusivo. Uma musa jamais substituía a outra, pensava Rute. Se o poema havia sido escrito para ela, mesmo que o autor tivesse no decorrer de sua existência tantas outras musas mais, aquele poema era somente dela, uma eterna propriedade sua. E ansiosamente aguardava o dia em que isso aconteceria com ela.
    E não é que seu príncipe encantado surgiu mesmo? João era o jovem mais aplicado da classe. De família muito humilde, lutava dia após dia para manter-se naquele colégio, mesmo com a labuta extenuante do pai para pagar as mensalidades. E João, por sua parte, sentia-se obrigado a se sair bem, mais que isso, ele exigia de si mesmo ser o melhor. E conseguia. Dedicava-se exclusivamente aos estudos, sem tempo para as diversões, as festas ou as meninas, sempre com o rosto afundado nos livros, e trocando idéias com outros rapazes que demonstravam ter as mesmas aspirações e objetivos, sendo sempre o melhor entre eles. Apesar disso, era claro que gostava das belas meninas, e quando timidamente se arriscava nas letras, criava pequenas histórias tendo elas de ‘tema central’.
    Sua inteligência não passava desapercebida por Rute, mas Rute passava totalmente desapercebida por João. Até no dia em que, por ironia do destino, caíram no mesmo grupo de trabalho. João já foi exercendo suas qualidades de líder nato:
  • Levantem as fontes de matéria que eu mesmo redigirei o texto do nosso trabalho. Depois, todos lêem que foi escrito e se todos estiverem de acordo, entregamos para a professora.
    Aprovado! Aprovadíssimo. Todos sabiam que a redação de João era perfeita, esmerada, cuidadosa e sem erros. Uma verdadeira obra-prima. Era a deixa para que Rute se aproximasse dele e conversassem.
  • João, você gosta de poesia também?
  • Até gosto, mas bem menos que de prosa, Rute. Por que a pergunta?
  • Eu pessoalmente amo poesia. Já leu alguma?
  • Muito pouco. Minha preferência é a crônica. Já leu alguma coisa do Fernando Sabino, por exemplo?
  • Conheço ele sim. O escritor mineiro metido a ser baterista nas horas vagas. Era um escritor do nosso cotidiano. Mas ainda assim acho a graça e a suavidade da poesia algo mais inebriante. Por que não se arrisca escrever poesia?
  • Sei lá, talvez por não gostar tanto assim, eu também não consiga escrever. Mas aproveitando o assunto, veja esse conto aqui. – E tira algumas folhas soltas do meio dos cadernos. – Chama-se “Menino pobre”. Conta a história de um garoto pobre que se forma, mas com a ganância de enriquecer rapidamente, acaba se corrompendo ao participar de algumas maracutaias na política e acaba por ser preso. O que acha dessa sinopse?
  • Muito boa. Será autobiográfico? – Falou em tom de chacota, mas ao ver a transformação do semblante de João viu que o tinha ofendido.
  • É claro que não é autobiográfico, Rute. Você está me chamando de ladrão? Sou uma pessoa pobre mais meu pai é um homem trabalhador e honesto e me ensinou a ser assim também. Você quem diz ler tanto não consegue perceber a diferença entre uma biografia e uma obra de ficção? Achei que era feia, tinha dentes tortos, mas era inteligente. Já vi que, além de ridícula, não passa de uma ignorante. Me devolva aqui os rascunhos dos meus textos.
  • Poxa vida João, eu só me equivoquei, e acabei fazendo uma brincadeira de mau gosto, estou te pedindo desculpas, mas não precisava falar desse jeito comigo. Eu não sou uma ignorante, como você disse. – As lágrimas já brotavam abundantes do rosto marcado de espinhas de Rute.
  • Vai embora daqui de perto de mim, Rute. Sua ridícula, dentes tortos. – João espumava de raiva e descarregou ela toda na “quase” inocente Rute.
    Ela se afastou dali de perto dele, martirizando-se pela burrice em ofender daquela forma um menino tão meigo, inteligente, que poderia, sim, sem nenhuma dificuldade, amá-la e mais ainda, satisfazer seu desejo mais recôndito: dar-lhe uma poesia, feita pensando nela, ela sendo a musa inspiradora de João. Agora, tudo parecia mais difícil, mais complicado. O que se fazer, não é mesmo? O que não tinha remédio, remediado estava.

Se Felipe admirava uma coisa numa mulher, isso era a inteligência. Parecia um contra-senso, sendo ele um aluno mediano, louco por futebol, e assediado como era pelas meninas mais lindas, mas tão medianas como ele. Ele conhecia Rute muito bem, sabia de sua inteligência fora dos padrões, e ele se sentia atraído por ela de forma quase compulsiva. Mas, como falar isso para os amigos sem ser motivo de piada? Isso, na sua idade, era mortal. Ser aceito pela turma era imprescindível. E se ele falasse que gostava dela, que admirava o seu intelecto a ponto de nem se importar com a sua aparência, ia certamente ser massacrado pela ‘opinião pública’. Mas conversava sempre que podia com ela, tentando disfarçar da melhor maneira possível seus sentimentos. Em um desses dias entabularam uma conversa agradável.

  • Pensa em se formar em que, Rute?
  • Pedagogia, com especialização em Letras.
  • Puxa vida, que legal, gosto disso. Se é que a forma que eu entendo o que seja Pedagogia esteja correta. Ensinar os burrinhos como eu é um dom. Dizem que tem de gostar muito de ler e escrever. Ler eu não tenho dúvida de que gosta, mas, e de escrever, você gosta também?
  • Nunca me arrisquei em produzir nenhum texto, Felipe. Gosto tanto de ler e os estudos acabam por tomar todo o meu tempo. E quanto a você ser burro, nunca mais quero que fale assim, afinal todos temos nossas qualidades e com certeza têm áreas em que você se destaca e muito.
  • Ah, mas ler é fácil Rute, já está lá tudo prontinho, só para desfrutarmos. Quero mesmo é te ver criando algo.
    Rute enrubesceu, num misto de vergonha e raiva da ousadia daquele rapaz que mal lia os livros indicados pela professora de Língua Portuguesa:
  • Ih, mas é difícil escrever um texto, um poema, algo mais elaborado assim. Você mesmo já tentou?
  • Eu, Rute? Você só pode estar brincando. Com certeza não está falando sério. Eu admiro muito você e o João, mas eu só sei jogar bola. Acho super maneiro vocês lerem e o João escrever como sei que ele escreve, mas eu não tentaria nem de brincadeira. Quem lesse iria querer me matar nas três primeiras frases.
    Rute riu da brincadeira de Felipe e prosseguiu.
  • Mas mesmo que pense assim, eu acho que deveria arriscar. Ora, quem sabe sai algo legal. Já vi você várias vezes jogando bola, e é muito bom no que faz. É só uma questão de manter o foco no que quer.
  • Puxa vida, jura mesmo que gostou? Olha, sobre ler ser coisa de quem quer tudo já pronto, foi uma brincadeira, certo? Eu acho na realidade é muito legal esse seu hábito de ler.
  • Hábito? No meu caso já é um vício mesmo.
  • E por falar em vício, agora vou indo, o pessoal da minha turma está lá no fundo da escola fumando, vou dar umas tragadas com eles.
  • Você é um atleta, Felipe, não faça isso. Pode te prejudicar pelo resto de sua vida.
  • Ah, Rute, eu sei que fala para meu bem, mas são só umas tragadas. Fique tranqüila, eu sei exatamente quando parar. Afinal de contas, cada um com seus vícios, não é mesmo? – E riu graciosamente.
    Não foi embora sem antes dar-lhe um terno beijo no rosto, aproveitando que ninguém estava por perto testemunhando seu ato. E correu, muito, como se estivesse fugindo de ouvir dela um ‘não faça isso’, ou talvez um ‘você é louco por fazer isso com essa feia’ de alguém que porventura tivesse visto sua traquinagem. Logo chegou no fundo da escola. O baseado era dividido entre todos, inclusive com Felipe, e ele adorava a sensação de liberdade que aquela erva lhe proporcionava, deixando sua mente muito leve, podendo pensar, falar e fazer tudo que lhe conviesse, mesmo sabendo que era uma liberdade ilusória, uma mentira, mas, ah! Que doce mentira…

João apareceu na frente da escola no término do seu período de aulas. Saiu uma aula antes do seu final, comprou as flores, e mesmo morrendo de vergonha foi até lá para tentar ‘acertar os ponteiros’ com Rute. Aquele horário era o momento crucial da escola. Ali rolavam os beijos, as brigas, as reconciliações, as vendas de entorpecentes e tudo de florido e espinhoso que a escola teimava em exibir e em esconder. Rute ficou estática ao vê-lo estender o buque de flores do campo amarelas em sua direção:

  • Rute, eu peço humildemente que aceite essas flores como meu sinal de desculpas pelo conteúdo e a forma que falei com você naquele dia.
    Rute não acreditava que João estava fazendo aquilo. E na frente de todo mundo! Ela ficou imóvel, sem saber o que fazer, olhando para o chão, esperando um buraco se abrir nele para que ela pudesse se enfiar nele e fugir daquela situação, mas ele não se abria. Ela levantou o rosto e encarou as flores. Pareciam estar há um bom tempo com ele, algumas apresentavam umas pétalas já murchas. Olhou-o nos olhos, e pensou em ser a deixa para que ela revidasse tudo o que ela passara naquele dia com ele. Abriu sua boca e as palavras jorraram:
  • Agora você vem com isso?! Você, que se diz tão inteligente, por que não me escreveu algo bem bonito? Vem me trazer flores? Você é um cara ridículo! Eu odeio flores, João, e odeio você por me humilhar também como fez naquele dia. Não minto que um dia achei que podíamos ser o casal mais bonito desse colégio, já hoje eu mal consigo olhar pra sua cara, seu pobretão metido a almofadinha que se acha um Rubem Braga (e ninguém que assistia o entrevero sequer sabia quem era Rubem Braga). Suma da minha frente com essas flores.
    Ele ouviu tudo de cabeça baixa, cheio de vergonha também e viu que não teria acordo. Simplesmente respirou fundo, olhou para o lado e viu uma menina que acompanhava tudo. Entregou o buque para ela e saiu com passadas largas rumo à saída, sem encarar ninguém. Agora não era a hora de retrucar, e sim de esperar a poeira abaixar.

Rute lia e relia Ana Cristina César:

“olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue nas gengivas”

“Sangue nas gengivas” … Era como se Rute pudesse sentir o gosto agridoce do sangue em sua boca também. A vida parecia tão insossa sem João, sem a possibilidade de receber uma poesia sua, sem tudo que ela queria tanto e não poderia ter nunca. Passou-lhe um pensamento sombrio na mente, que ela tentou espantar, mas que insistia em buscar apoio no seu consciente. Não, ela não teria coragem disso. Era medrosa, não podia sequer ver sangue, sua visão já se turvava. “Mas era só no começo, depois os sentidos sumiam e daí era só embarcar na viagem doce e eterna da morte.” – Uma voz interna parecia sussurrar-lhe isso nos ouvidos.
E por que não? Ana C. tinha partido aos 31 anos, pulando da sacada do seu apartamento para voar até à eternidade, por que ela não poderia fazer o mesmo? Ah! Morava em casa térrea, mal quebraria o pé, quanto menos o pescoço. Não queria sofrer nem fazer outros sofrerem em virtude dos seus próprios sofrimentos. O que era fato era que aquela existência não mais a importava, não mais cabia nela. Queria outra, maior, mais livre, onde o estigma daquele corpo disforme, no seu ângulo de vista, não mais a aprisionasse, não mais a submetesse ao opróbrio público. Mas tinha muito medo do desconhecido da possível dor e do possível sofrimento dessa passagem. Sendo assim, como fazer? Haveriam outros meios? Talvez…
Correu até a suíte do quarto do casal. Abriu a gaveta da farmácia de sua mãe, a hipocondríaca da família. Não foi difícil identificar os comprimidos de calmantes que ela fazia uso regular. Pegou a caixa que ainda estava fechada. Abriu-a, certificou-se de que todos os comprimidos estavam ali. Saiu, dirigindo-se à sala, tinha a casa inteiramente à sua disposição, abriu o barzinho onde o pai conservava as mais variadas bebidas. Pegou o uísque que via ele beber sempre que chegava tenso em casa. Encheu o copo, colocou logo três comprimidos na boca. Virou metade do copo. O líquido desceu queimando muito sua garganta, deu-lhe vontade cuspir aquilo, mas aguentou firme. Os olhos lacrimejaram. Ela repetiu o processo mais uma, duas, três vezes. Já não ardia mais para engolir, mas a cabeça começava a rodar, e uma leve ânsia estomacal avisava-a que se persistisse naquele processo poderia vomitar. Levou um último copo cheio para seu quarto. Acabou de engolir os últimos comprimidos da caixa, virou, já forçando para manter no estômago, o último copo, e deitou-se. A cabeça foi ficando mais leve, os sentidos começaram a embaralhar, João apareceu lindo, com uma folha rabiscada com seu nome, enquanto ela pisoteava um buquê de flores. E dormiu.

No velório de Rute havia muita comoção por parte de todos os presentes. A mãe, ainda grogue com as doses cavalares do mesmo calmante que matou sua filha, se culpava, chorava, puxava os cabelos, e era a duras penas consolada pelo marido, que também no fundo se culpava pelo seu vício em álcool que acabou por facilitar o intento suicida de sua filha numa idade tão tenra. De que adiantava toda aquela inteligência, tantos sonhos, para se esvaírem assim, entre doses de uísque e calmantes? Não havia uma explicação lógica, pelo menos para eles, e a mistura das dores pela perda e pelo remorso era de uma crueldade lancinante.
Todos os amigos da escola estavam presentes. João, bem quieto num canto, só lamentava não ter tido tempo de mostrar a Rute que não era aquele monstro que ela passou a considerar-lhe, mesmo ele tendo um pressentimento de que, no fundo, ela o amava. Será que ele também a amava? Tinham sim alvos literários e de vida diferentes, mas jamais isso era uma justificava de suicídio. Que ela viesse então conversar com ele, que aceitasse as flores que ele oferecera como sinal de trégua, quem sabe isso não seria uma retomada da amizade, ou mesmo o início de um romance, como saber? As meninas em volta do seu caixão lamentavam a perda da amiga de altos e baixos, mas sempre muito companheira. Até mesmo as belas alunas que tanto caçoavam dela, mas que secretamente a admiravam por sua inteligência peculiar estavam lá muito abatidas, sabe-se lá se por simplesmente não terem retocado a maquiagem ou por sentirem a perda de uma menina tão moça e tão simples, que absolutamente não merecia morrer.
Foi nesse cenário lúgubre que Felipe entrou. Ainda de chuteiras e meias longas, como se houvesse recebido a notícia naquele exato momento, um quase sorriso nos lábios, ninguém sabia se em virtude do que trazia nas mãos, ou devido ao efeito da grande quantidade de maconha consumida naquela manhã, numa tentativa desesperada de aplacar aquela dor que não o deixava. Prostrou-se diante do cadáver, fez o sinal da cruz, tocou no rosto pálido e sem vida de Rute, beijou-lhe a face por cima do véu que a cobria, e entre suas mãos deixou uma pequena folha de caderno amassada. Simplesmente isso. Virou as costas, não falou ou sequer olhou para alguém, chamando até por isso a atenção dos presentes. Da mesma forma que entrou, silencioso e semi sorridente, ele saiu. Antes de fecharem o caixão para enterrarem o corpo, abriram o papel e o leram. Devolveram o mesmo à morta, já que era seu, de direito. Tratava-se de um versinho, com alguns erros de português, sem muita concordância, mas carregado de dor, lágrimas e sentimento:

“Rute, menina linda do seu atleta,

Sei que gosta de um versinho,

Felipe nunca foi nem será um poeta,

Mas te amará para sempre com carinho.”

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Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

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Marcelo Cappelletti
Admin
1 ano atrás

O texto “A Menina que Não Recebia Poesias” de Ari Jr, aborda temas sensíveis e cotidianos com uma leveza e humor sutis. A narrativa, que transita entre a auto aceitação e o desejo de apreciação poética, é tecida com um toque delicado e personagens bem construídos. As nuances de emoção na jornada de Rute, bem como a representação autêntica das interações sociais adolescentes, adicionam profundidade ao texto. A inclusão de referências poéticas enriquece a narrativa, proporcionando uma leitura envolvente e reflexiva.

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