ANSEIOS, PARTE 03

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Como é bonita a vista daqui do céu. Realmente, as nuvens parecem ser feitas de algodão. Quem diria que eu, moça simples que sou, apesar dum pai militar que nunca ganhou tão mal assim, estaria voando para o Rio de Janeiro e não a trabalho. Bom, pelo menos não oficialmente. Afinal de contas, sei bem o que o Evandro quer de mim. Feio ele não é. Não é o homem mais interessante do mundo, mas também não é de se jogar fora. Mentimos ambos quando dissemos que é só um passeio para um fazer companhia ao outro, que não queremos nada físico, porque eu sei que a quantia que ele me deu de dinheiro exige que eu me ‘empenhe’ em lhe fazer companhia. A verdade é: levarei mais essa conta pro meu túmulo? Preciso pensar, logo ele vai investir pra cima de mim.

Eu estava tão perdida em meus pensamentos que mal percebi quando Evandro sentou-se ao meu lado. Ele teve de roçar sua mão bem de leve na minha, a fim de me acordar do transe. Voltei para o planeta Terra, olhei para ele com a cabeça meio caída, sorri e carinhosamente, deitei-me em seu ombro. Evandro retribuiu fazendo-me um afago nos cabelos, e ao mexer neles, senti o perfume que se desprendeu, o que o excitou, pela forma como apertou mais forte minha mão e disfarçadamente, para que isso não ficasse evidente para mim, tocou com a outra mão em sua calça, como que incomodado com algo que estava ali e não deveria estar. Eu, fingindo ser a moça mais pura dessas plagas, simplesmente me ajeitei na poltrona e fechei os olhos para fazer um quadro mental da cena dele incomodado e pensando que, se tudo corresse como ele havia planejado, ele iria desfrutar daquela mulher que ele claramente estava ardentemente desejando ao vivo ainda naquele dia. E assim ficamos, num silêncio cúmplice, juntinhos um do outro, até a aterrisagem do avião.

Quando o carro que Evandro alugou chegou ao hotel, mais uma vez, mesmo não sendo uma caipira, fiquei impressionada com a arquitetura do prédio e com a luxuosidade dele em geral. Ali passaríamos então o final de semana? Seria incrível, pelo visto. Pensei em conferir se a Sarah estava bem com minha mãe, já teria notícias de como estaria o clima por lá, mas preferi ser conduzida até nosso quarto antes disso. Era grande, e ele pensara em tudo; havia sim uma cama de casal enorme e aparentemente confortabilíssima, mas, apesar disso, havia também uma cama de solteiro muito bem instalada. Vamos ver como ele conduziria isso…

– Bem, enfim, chegamos. Como pode ver, para que não se sinta constrangida, pedi uma cama de solteiro avulsa. Mas, claro, a cama de casal está disponível. Você, obviamente, fica na de casal, caso eu seja expulso dela – e sorriu maliciosamente – e eu durmo na de solteiro, fazer o que? Bom, antes de começar as ligações para acertar os detalhes da reunião de hoje, vou tomar um banho. Se quiser pedir algo à recepção, o telefone está ali – e apontou para o canto onde um aparelho estava fixo à parede.

Eu precisava pedir. Para dar o passo o qual eu daria naquele momento, precisava de um pouco de álcool, senão, as velhas amarras, o medo do julgamento dos pais, a religião da mãe, tudo isso viria à tona na hora H e ela seria um fiasco. Pedi vinho, no que fui atendida quase que instantaneamente. Ouvi o barulho da água do chuveiro dele enquanto tomei a primeira dose, quase que de um gole só. Já na segunda taça, senti as faces quentes, e aquilo já não me parecia mais ser prostituição, coisa que eu tinha certeza de que era antes da bebida. Agora, estávamos apenas ‘nos entendendo’, encontrando pontos em comum nos quais podíamos nos ajudar, ele era um amigo, e além do mais, ele não estava pagando para fazer sexo comigo, ele havia me ajudado, era um homem atraente, nada mais natural que duas pessoas se relacionarem num ambiente requintado, numa cidade paradisíaca.

– Angélica, pediu alguma coisa? – Evandro falou em tom mais alto do banheiro, talvez para compensar o barulho do chuveiro.

Apareci na frente do box, com a garrafa e minha taça numa mão, e a outra taça vazia, na outra.

– Pedi vinho, quer uma taça?

Seu sorriso abriu e seus olhos brilharam duma forma que ele parecia ter ganhado um prêmio de loteria, ou conquistado algo muito desejado. Vivido como era, sabia que eu iria capitular ali mesmo.

– Com certeza. – Desligou o chuveiro, enrolou-se na toalha, e desse jeito, saiu do box em minha direção.

– Pelo visto, suas ligações vão atrasar…

Eu poderia levar horas repensando e remoendo o que aconteceu, o arrependimento que me bateu após o efeito do álcool passar, mas isso seria bobagem. Mesmo entorpecida no momento, eu fui para o Rio de Janeiro porque eu quis, eu entrei naquele hotel por vontade própria, eu entreguei meu corpo àquele homem com total ciência do que estava fazendo. Sendo assim, sou a responsável direta por tudo de bom que senti na hora, pois ele foi extremamente carinhoso, cuidadoso e másculo comigo, numa mistura de emoções que realmente beiraram o indescritível. Mas também sou quem responde diretamente por esse sabor amargo na minha boca nesse momento, essa sensação de sujeira por mais banhos que eu já tenha tomado após a saída dele para seus compromissos profissionais na cidade. Essa dor de consciência que me acusa minuto após minuto, me chamando internamente de ‘mercenária’, ‘aproveitadora’, ‘oportunista’, ‘buscadora de dinheiro fácil’, e a pior de todas: PROSTITUTA! Cada vez que meu cérebro, meu eu interior, sei lá quem, me lembra disso, parece que vejo meu pai na minha frente, com sua voz grave, baixa, mais com decepção do que com raiva, dizendo: “já não me bastava ter sido mãe solteira, ter vivido às minhas custas quando devia ter sua família e seu marido, agora, ainda se torna uma vagabunda que vende o corpo em troca de uma viagem, dum aluguel duma casa, sem honra, sem moral. Como vai explicar isso para a Sarah quando ela for adulta, que para que ela não passasse fome ou morasse debaixo duma ponte, você vendeu seu corpo, ao invés de trabalhar duro como eu e sua mãe fizemos anos a fio para que você pudesse tomar leite, comer papinha, até crescer e se tornar uma moça linda, tão linda que não enxerga outra saída mais digna que vender o corpo para saciar, não a fome de alguém, mas seus caprichos de morar sozinha, arcar com as despesas, coisa que não fez sem antes precisar ser uma rameira  de luxo de velhos babões quase com a mesma idade de seu pai…”

Esperei que ele saísse para chorar um pouco. As lágrimas desceram pelo meu rosto abundantes, caudalosas, como se quisessem lavar minha pele, além da alma, que essa sim é a função principal delas. Deitei-me quietinha, em posição fetal e ali gemi e chorei até ficar exausta. Nesse ínterim, devo ter cochilado, pois acordei em sobressalto, com minha mãe no aparelho de celular:

– Angélica, tudo bem? Quando você chegar do seu compromisso – ela não sabia exatamente aonde eu iria, apenas que eu iria a trabalho para algum lugar e ela precisaria ficar com a Sarah – passe já diretamente na casa do pai dela, pois ele veio buscá-la aqui hoje cedo.

– Como assim, mãe, ele foi aí buscá-la? Ele não me disse nada, e por que a senhora a entregou?

– Oras, porque ele é pai dela e tem esse direito né – nem terminou a frase e foi abruptamente interrompida…

– Esse moleque não tem direito a nada, mãe, você não poderia ter entregado a Sarah pra ele sem falar comigo. Cadê o pai? Ele não está aí?

– Não, ele tinha um problema para resolver de uns benefícios dele e precisou ir à sede, até a capital para ver o que poderia ser feito. Mas, eu sou capaz sim de olhar sua filha assim como olhei você, e se preciso for eu vou lá falar com ele.

– Agora não adianta mais, mãe, a criança já tá com ele sabe-se lá onde nesse exato momento. – Sua voz estava uns três tons mais altos que o costumeiro, e seu coração estava acelerado, a ponto de ela senti-lo pulsar em seu pescoço. – Ah, tá bom, não adianta eu ficar discutindo aqui com a senhora, vou ver onde esse enrustido levou minha filha. Depois a gente se fala.

E desliguei o telefone para não ficar mais nervosa ainda. Aquilo não estava normal. Algo estranho estava acontecendo. Ele parece que escolheu o dia certo para ir lá buscar a menina, sabendo que o avô da criança, o principal guardião dela, não estaria lá. Era como se fosse arquitetado isso. Sem me avisar, sem falar nada. Parece que, na intenção mesmo de levar a criança escondida. Roubando-a, talvez. Não, ele não teria essa coragem, essa ousadia, ele se borrava de medo do meu pai.

Uma ligação no telefone… nada. Uma no aplicativo de mensagens… nada. Mandei um “oi” … nada. Nem visualizou. Meu coração começou a disparar de novo.

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Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

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Lucas soares
Lucas soares
5 meses atrás

Essa história está cada vez mais interessante. Sr. Ari, não demore a dar continuidade.

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