O quarto estava silencioso, exceto pelo som da minha respiração ofegante. O pai de Sarah estava sentado em uma cadeira, com o olhar fixo no chão. Sarah estava ao seu lado, abraçada a ele, chorando silenciosamente.
Eu me aproximei, o coração batendo forte no peito. “Por favor, me explique”, disse eu, minha voz trêmula.
O pai de Sarah levantou o olhar, seus olhos cheios de dor. “Eu sei que não tenho o direito de fazer o que fiz”, disse ele. “Mas eu não conseguia mais suportar ver você com outro homem.”
Meu coração parou. “O que você quer dizer?”
“Eu sempre amei você, Angélica”, disse ele. “Desde o dia em que nos conhecemos, eu soube que você era a mulher certa para mim. Mas você sempre me rejeitou.”
“Eu nunca te rejeitei”, protestei. “Eu sempre fui sua amiga.”
“Não, você não foi”, disse ele. “Você sempre me evitou, sempre me deixou de lado. Eu tentei te mostrar o quanto eu te amava, mas você nunca me deu uma chance, principalmente quando vivia me comparando com seu pai, mesmo dizendo todos os dias o quanto não gostava da forma como ele a tratava.”
“Eu não posso acreditar nisso”, disse eu. “Eu nunca te dei motivos para pensar que eu não te amava.”, eu tinha de ser cuidadosa com as palavras pois deixá-lo magoado ou irritado poderia significar não ter minha filha comigo o mais rápido possível.
“Você não precisa me amar”, disse ele. “Eu só preciso que você me veja. Eu preciso que você me reconheça como o homem que eu sou.”
“Eu te reconheço”, disse eu. “Eu te reconheço como um homem bom, um homem que ama sua filha.”
“Mas você não me ama”, disse ele. “Você ama outro homem.”
‘Eu não te amo, mesmo, deixamos isso bem claro ao nos separarmos, mas eu também não amo ninguém, nem tenho tempo para isso’, disse eu. ‘Eu estou conhecendo outra pessoa, mas isso não interfere em nada na sua relação com Sarah.’
Mauro fechou os olhos, e um suspiro escapou de seus lábios. ‘Eu sei’, disse ele. ‘Eu sei que você está com Evandro, ele é conhecido em todo lugar, uma informação dessas você não conseguiria esconder por muito tempo.’
‘Sim’, respondi, capitulando. ‘Ele está me ajudando muito nesse momento difícil.’
‘Eu sei a ajuda que está obtendo dele’, disse ele. ‘Ele é um homem poderoso e rico. Mas você não precisa dele.’
‘Eu preciso de alguém agora’, respondi. ‘Alguém que pudesse me ajudar a encontrar minha filha, como ele fez, pois você não dava nenhum sinal de vida.’
O pai de Sarah se virou e saiu do quarto, deixando-me sozinha.
Eu voltei para o quarto de Sarah e a encontrei dormindo. Eu me sentei ao lado dela e a abracei.
‘Está tudo bem, querida’, disse eu. ‘Papai vai te devolver.’
Sarah abriu os olhos e sorriu. ‘Eu sabia’, disse ela. ‘Eu sabia que você viria me buscar.’
Eu beijei sua testa e a abracei mais forte. ‘Eu sempre vou estar aqui para você’, disse eu.
Eu fiquei sentada ao lado dela, observando-a respirar. Eu sabia que ainda tinha um longo caminho a percorrer para me recuperar do trauma do sequestro de Sarah. Mas eu também sabia que eu era forte o suficiente para enfrentar qualquer desafio. Eu ainda não tinha a noção exata do que fazer naquele momento, se dava maiores explicações ao Mauro, a fim de acalmar os ânimos, se denunciava ele às autoridades, como meu pai havia aconselhado, se deixava o assunto nas mãos de Evandro para ser resolvido, e focava apenas no bem-estar de Sarah… tudo ainda era confuso, mas as coisas iriam se ajeitar, como sempre aconteceram.
Eu tinha minha filha de volta, e isso era tudo o que importava. E quanto a Evandro, uma coisa era certa: eu precisaria ter uma conversa séria com ele mais tarde. A sua ajuda tinha sido fundamental, mas eu precisava definir os limites da nossa relação. Eu não queria me envolver em algo mais sério do que já estava, mas também sentia que aquela dependência dele, ao mesmo tempo que poderia ser ruim, era muito boa e mesmo viciante.”
Os dias se passaram, e a minha vida aos poucos voltava ao normal. Mauro, após um pedido formal da polícia, por recomendação do meu pai, e até para evitar futuros acontecimentos similares, finalmente devolveu minha filha. Nosso reencontro foi emocionante e aliviador. A pequena, ainda assustada, se agarrou a mim com força, buscando conforto. Logo ela estava de volta na casa dos avós e a rotina familiar se restabelecia.
Em uma conversa particular, Mauro se mostrou arrependido. “Eu sei que não tenho desculpas, Angélica”, disse ele, com a voz embargada. “Mas eu precisava te ter de volta. Eu me sentia perdido sem você. Sei que foi errado, mas eu não conseguia mais viver sem sua atenção. Sei que isso é cada dia mais impossível de acontecer, mas, agi por impulso, espero que compreenda.”
Olhei bem dentro dos seus olhos, tentando decifrar a sinceridade em suas palavras. “Mauro, você me machucou muito. Não só a mim, mas também à Sarah. Precisa de ajuda.”
Mauro concordou com a cabeça, abatido. “Eu sei.”
Sozinha em seu quarto, com uma taça de vinho tinto na mão, Angélica se entregou aos pensamentos. Os dias anteriores haviam sido pesados, e ela mal teve tempo de ficar sozinha, de ruminar tudo aquilo que vinha acontecendo. A imagem de Mauro, frágil e arrependido, como sempre foi, se misturava às lembranças mais obscuras de sua infância. Lembranças de um pai de aparência muito correta, porém, extremamente possessivo, que a tratava como uma mini adulta, que às vezes a elogiava de forma estranha, que a fazia sentir-se desconfortável.
Ela se lembrava de como se sentia especial quando ele a elogiava, afinal, com sua formação militar, onde só aprendeu a dar ordens, elogiar era o ápice da demonstração de bondade dele, mas ao mesmo tempo, havia algo de errado naquela atenção. Havia um toque invasivo em suas palavras, um olhar intenso vez por outra que a deixava inquieta. As recordações eram vagas, como sombras no fim do túnel, mas a sensação de desconforto era clara. Era como algo incômodo na garganta que apertava cada vez que seu cérebro revirava essas lembranças que ela fazia questão de apagar, mas que não conseguia.
Angélica se perguntava se aquela obsessão de seu pai em domina-la, em subjuga-la, em coloca-la como menor, como inferior, era apenas uma necessidade de auto afirmação, uma maneira de mostrar quem estava no comando de tudo, como se ela pudesse ameaça-lo em seu trono de rei daquela família, ou se havia algo mais profundo, algo mais sombrio, como que uma frustração por ela ter o mesmo sangue que ele, vir das entranhas dele e por esse motivo, não poder satisfazer qualquer devaneio ou desejo que ele tivesse… Será que ele a via como mais do que uma filha? A ideia a aterrorizava, pois era algo tão anormal e absurdo, que já se sentia culpada mesmo de pensar nessa possibilidade, como se culpa tivesse, caso realmente despertasse esse tipo de desejo em seu próprio pai.
Com um tremor nas mãos, ela levou a taça aos lábios, tentando afogar estes pensamentos absurdos em álcool. Mas estes continuavam a assombrá-la. Ter casado com Mauro, e ter vivido com um homem exatamente o oposto de seu pai não a satisfez, nem física, nem emocionalmente, isso era fato. Estar hoje atraída por um homem mais velho, mais poderoso, mas que sabia muito bem equilibrar isso com docilidade e cavalheirismo, realmente mostrava que ela tinha um perfil definido de parceiro, e sabia o que queria e o que lhe agradava. Ele era a versão melhorada do pai dela. O sexo com Evandro havia sido maravilhoso, a ponto de nem chegar a cogitar, no momento do ato, que aquilo era uma retribuição a algo que ele fizera em aspecto financeiro para ela, pois, se entregou mesmo, sentiu de verdade. Mas, até então, nunca havia relacionado esse traço de sua personalidade com sua criação, quase que se punindo por realmente sentir muito mais prazer em ser dominada que dominante. A verdade era que ela nunca havia conseguido se livrar completamente da influência de seu pai. Só restava ela fuçar mais nos armários mais escondidos de sua mente, e entender quantos mais esqueletos estavam guardados lá… e se realmente iria querer fazer isso…