ANSEIOS, PARTE 06

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Angélica se levantou da cama e foi até a janela. A noite estava fria e silenciosa. Olhou para o céu estrelado e sentiu uma sensação de paz momentânea. Mas logo, os pensamentos sobre seu pai voltaram à sua mente. Nada a fazia esquecer aqueles flashes de acontecimentos recortados em sua memória de infância, nem mesmo o vinho já resolvia isso. Ela se perguntou se algum dia seria capaz de lidar com tudo o que havia acontecido. Talvez a terapia fosse o caminho. Talvez precisasse de alguém de fora para ajudá-la a entender o que estava acontecendo dentro dela. Com um suspiro profundo, decidiu que era hora de procurar ajuda. Nesse momento, seu celular toca. É Evandro.

– Oi, Angélica. Tudo bem? Só queria saber como você está se sentindo.

– Estou bem, obrigada. Cansada, mas bem. Agradeço muito por tudo o que fez por mim.

– De nada, meu bem. É o mínimo que posso fazer. Aliás, queria te ver. Que tal a gente se encontrar hoje à noite?

– Hoje à noite? Não sei se é uma boa ideia, Evandro. Preciso descansar, minha cabeça ainda está a mil por hora com tudo o que aconteceu.

– Por favor, Angélica. Sei que você está passando por um momento difícil e precisa do meu apoio. E você sabe que pode contar comigo para tudo, não é?

O tom de voz dele era suave e conciliador, parecia outro homem, diferente do que dava ordens e resolvia tudo à base de comandos, como no Rio de Janeiro.

– Eu sei, Evandro. Mas…

– Mas o quê? Você não quer me ver?

– Não é isso. É que…

Nesse momento, ela pode sentir a respiração dele se alterar na ligação, ficar mais descompassada, viu que ele precisou se controlar para manter o tom cordial.

– Olha, Angélica, eu te ajudei em um momento muito difícil. E você sabe que posso te ajudar em muitas outras coisas. A gente pode se divertir muito juntos, como já pode comprovar em nossa estadia no Rio.

– Evandro, eu tenho certeza disso, mas não quero me sentir pressionada com isso.

– Ninguém está te pressionando, meu amor, longe disso. Só estou te oferecendo uma companhia agradável. E você sabe que eu posso te proporcionar muito mais do que apenas isso.

-O que você quer dizer exatamente com isso?

– Você sabe do que estou falando. Você sabe o quanto eu te admiro. E você sabe que eu faria qualquer coisa para te ver feliz. Você e a Sarah são pessoas que se tornaram importantes para mim.

– Evandro, eu não quero que você pense que…

– Shh… Não precisa falar nada. Eu sei o que você quer e precisa. E eu estou aqui para te dar tudo isso, e mais ainda. Mas você precisa vir até mim, eu te ajudo, você me ajuda, assim que funciona.

– Eu não sei o que fazer, Evandro, você já deve ter visto que às vezes essa situação me constrange, me faz sentir que estou fazendo algo muito errado, muito fora dos padrões, mas tem horas que vejo quanto isso pode ser bom para mim também, fico bem confusa mesmo.

– Pense bem, Angélica. A vida é curta. E você merece ser feliz. E eu posso te fazer feliz.

– Eu preciso pensar sobre isso…

– Claro que precisa. Mas não demora muito, hein? Te espero ansioso, e gostaria que isso fosse ainda hoje.

– Tudo bem, assim que possível, te mando mensagem.

Angélica desliga o telefone e fica pensativa. Ela sabe que Evandro está jogando um jogo perigoso, e que vai apostar alto para conseguir o que quer. Ele não gosta de ser contrariado e não medirá esforços para subjugá-la da forma que ele imaginou que ela deveria estar. Mas, também sabe que ele tem razão em alguns pontos; ela precisa de dinheiro e de apoio, e Evandro pode lhe oferecer ambas as coisas com sua riqueza e poder. Porém, ela também tem medo de se perder e de se tornar dependente dele, algo que parecia já estar acontecendo.

Ela resolve tirar a limpo tudo aquilo, olhos nos olhos, com Evandro. Vai para o chuveiro se aprontar para vê-lo, e está lavando os cabelos quando o telefone toca novamente. É seu pai.

– Angélica, sou eu. Sua mãe não está se sentindo muito bem e a Sarah está com uma virose. Poderia vir aqui em casa? Preciso da sua ajuda para lidar com as duas.

– Claro, pai. Já estou indo. É o tempo de eu terminar o banho e já chego.

Manda uma mensagem para Evandro, explicando o ocorrido, e vendo quando podem se ver posteriormente a isso.

Assim que chega na casa de seus pais, encontra-a silenciosa. Sarah está dormindo no quarto e sua mãe está deitada no sofá, com uma expressão de cansaço. Após cuidar de Sarah, dando-lhe um antitérmico e bastante água, e garantir que ela estivesse confortável, Angélica se senta ao lado do pai na parte externa da casa. Ele abre outra cerveja, coloca a lata vazia ao lado das várias outras enfileiradas ali, oferece uma para Angélica, que aceita, e emenda:

– Filha, preciso conversar com você.

– Claro, pai. O que foi?

– Sobre o passado… Sobre algumas coisas que aconteceram. Eu sei que você não morre de amores por mim, por causa do meu jeito intransigente, mas sabe também que isso se deve à forma como fui moldado a ser. Homens que vão para as batalhas da vida criam uma casca que fica difícil remover depois, e a gente acaba por ter essa casca mesmo com pessoas que não precisam ver ela, como é seu caso. Deve ter várias mágoas de mim, e eu entendo. Eu também tenho algumas mágoas de você, e você sabe muito bem os porquês, mas preciso que você me ouça, porque senti vontade de esclarecer certas coisas.

– Pai, isso ficou lá no passado, eu errei, você errou, mas agora está tudo bem.

– Não, não está bem. Eu te conheço desde menina, eu estudo cada movimento e expressão sua, e principalmente depois que você largou aquela bicha do Mauro e arrumou esse velho safado que quer te bancar, você voltou a ser aquela Angélica agressiva de quando era menina. Eu sei que você me culpa por tudo, mas a verdade é que você também tinha um papel nisso tudo. Você era tão… provocante.

– Pai, o que você está dizendo? Não estou entendendo onde quer chegar.

– Você não se lembra de como era quando era mais nova? Você sempre gostava de chamar a minha atenção, de me provocar. Sentava-se no meu colo com aquele sorrisinho cheio de marra, como se quisesse me desafiar. E eu, sendo um homem, sua mãe com essa libido fria, eu não conseguia resistir.

– Pai, eu era uma criança! Eu não entendia nada! E é claro que você teria sim de resistir, afinal, eu sou sua filha, sangue do seu sangue.

– Mas você sabia sim o que estava fazendo. Você me excitava, Angélica, com aqueles vestidos curtos, aquelas sandálias transparentes, eu mal chegava do serviço e você vinha, me pulava no pescoço, me enchia o rosto de beijos, se até aquele viado do Mauro você fez ter desejo em você, e ainda mais, fazer uma criança em você, imagine eu, macho e no auge da minha vida? Pensa nisso.

– Eu não posso acreditar no que estou ouvindo. Eu era uma criança carinhosa, por isso te beijava, te abraçava, eu amava meu pai, como toda filha deve amar, com um amor puro e filial. E agora, você está me culpando por você ser um pervertido?

Essa palavra ligou uma chave dentro do cérebro de seu pai. Sua expressão ficou dura, e ele não poupou Angélica:

– Lave sua boca para falar assim comigo. Pervertida é quem aparece grávida do nada, de um rapaz que nem de mulher gosta. Pervertida é quem provoca o próprio pai, sabendo que há tempos ele não tem mais nada com a própria esposa, que só pensa em bíblia, e ele não ter um caso, uma amante, uma aventura sequer, lá fora, então, vivendo numa tensão desgraçada. – Percebeu estar alterado demais, e mudou a inflexão da voz, não queria que sua esposa acordasse ou que Sarah chorasse naquela hora. – Não estou te culpando, filha. Estou apenas te dizendo a verdade, esclarecendo as coisas, porque vi que depois que esse velho rico apareceu, você ficou diferente, agressiva comigo, do mesmo jeito que ficou perto de engravidar do Mauro.

– Isso é absurdo, pai! Eu era uma criança! – Os olhos dela começaram a ficar marejados e vermelhos. – Eu só saí de casa porque não aguentava mais a forma como você me tratava. Era tudo, menos um pai. Ou era estúpido como era com seus subordinados, ou era carinhoso, mas de forma sexualizada, me desejando como mulher e não me amando e me protegendo como filha, e nenhuma das duas formas me agradava. Até que chegou num ponto insuportável, antes de eu explodir e fazer uma besteira qualquer contra mim mesma, eu saí. Errei sim, ao engravidar, mas não posso chamar a Sarah de erro, ela é minha riqueza, minha força.

– Sua força, mas que vive aqui, sendo criada por mim, porque você não consegue nem mesmo SE bancar, quanto mais bancar uma filha. Aí, não contente com isso, acha um babaca do dobro da sua idade para resolver esse ‘probleminha’ seu, se vendendo para ele em troca de viagens e sabe-se lá mais o que. Depois vem falar de moral e perversão comigo. Olhe-se no espelho e meça suas palavras antes…

– Pare com isso, pai! Isso é nojento! Você está tentando me sabotar psicologicamente, como se quisesse me castigar, me bater, mas por não poder mais fazer isso fisicamente, usa dessa chantagem emocional. – De repente, sua ficha caiu, e ela resolveu provocar para ter a prova de que precisava. – Quer saber? Vou embora agora daqui. Vou ligar para o Evandro, para ele vir me buscar e eu sumir de perto de você. – E começou a digitar no teclado uma mensagem.

– Viu só como adora me desafiar? Por que ligar para esse maldito vir aqui? Na frente da minha casa eu não quero saber dele, tenha ele quanto dinheiro ele tiver. – Pegou-se de novo alterado, e tentando mais uma vez se acalmar, continuou. – Não seja assim, filha. A gente pode conversar sobre isso. A gente pode se entender. O que esse Evandro faz para você agora, eu já faço a tanto tempo, cuidar de você e da Sarah. Você não precisa dele.

Angélica se levanta, chocada e revoltada. Ela não consegue acreditar no que está ouvindo. Suas desconfianças têm confirmação depois dessa frase. Seu pai, além de estar tentando inverter os papéis, colocando a culpa nela por tudo o que aconteceu no passado dos dois, estava enciumado dela com Evandro, com a mesma ou talvez maior fúria de quando ela se envolveu com o Mauro. E não era um ciúme cuidadoso, de pai que zela pelo bem-estar da filha, era algo erótico, de quem se sente ameaçado por perder algo que um dia lhe pertenceu, mesmo que à força. Que sina era aquela? Seus olhos estavam queimando, ela devia estar chorando mesmo sem querer. Ela não chamara Evandro, até para não piorar a situação, mas sim, um carro por aplicativo, que encostava naquele momento na porta da casa de seu pai. Ela o deixou falando sozinho, porque ela teria um troço se aquela conversa continuasse. Entrou no carro, fechou os olhos e pediu para que tudo aquilo acabasse naquele momento, junto com sua própria vida, se possível.

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

Últimas Postagens

Anúncios

5 1 voto
Article Rating
Inscrever-se
Notificar de
guest
1 Comentário
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Gilberto
Gilberto
2 meses atrás

Coitada da Angélica que pai safado , ela precisa sumir dessa casa e procurar ajuda de um profissional.

Get Curated Post Updates!

Sign up for my newsletter to see new photos, tips, and blog posts.

Subscribe to My Newsletter

Subscribe to my weekly newsletter. I don’t send any spam email ever!