“Com a ‘marvada’ pinga é que eu me ‘atrapaio’”, essa introdução fala por si só. Qualquer debutante em música sertaneja já deve ter ouvido essa frase, e a maioria sabe quem a cantava: Inezita Barroso. Nascida Ignez Magdalena Aranha de Lima, em 4 de março de 1925, em São Paulo, Inezita dedicou sua vida a preservar, divulgar e valorizar as tradições musicais do Brasil, tornando-se uma verdadeira guardiã da cultura popular. Sua trajetória artística e seu compromisso com as raízes brasileiras deixaram um legado para orgulho de qualquer regionalista.
Inezita Barroso foi uma artista multifacetada: cantora, instrumentista, folclorista, atriz, pesquisadora, professora de Folclore e Estudos Brasileiros, além de apresentadora de televisão. No entanto, foi através da música que ela encontrou sua maior expressão. Com uma voz marcante e um repertório que abrangia desde modas de viola até cantigas folclóricas, Inezita se tornou uma das principais intérpretes da música caipira. Seu trabalho ajudou a resgatar e popularizar gêneros que corriam o risco de serem esquecidos, como as toadas, cururus e cateretês. Ela cortou o Brasil de Sul a Norte, num trabalho de garimpagem, para que brilhassem no palco de seu programa, representantes de todas as vertentes culturais desse País, e assim, descobrimos que arte e música não é só ‘os enlatados de USA, de 09h às 06h’, mas ritmos, cores, versos e rimas dos mais complexos saindo das entranhas de nossa terra.
E por falarmos em palco, um dos momentos mais significativos de sua carreira foi a sua participação no programa “Viola, Minha Viola”, exibido pela TV Cultura a partir de 1980. Durante décadas, o programa se tornou um espaço essencial para a divulgação da música regional brasileira, apresentando violeiros, cantadores e compositores de todas as partes do país. A história desse programa se confunde com a história do próprio gênero nas últimas décadas. E Inezita não apenas apresentava as canções, mas também compartilhava histórias e curiosidades sobre as tradições por trás delas, educando o público e fortalecendo o vínculo entre a música e a identidade cultural brasileira. Era mais que uma anfitriã, era uma verdadeira ‘Show Woman’ (perdoe-me, Inezita, eu sei o quanto privilegiava o Brasil e a língua Portuguesa, mas, precisei dessa ênfase para enaltecer sua performance espetacular).
Além de sua atuação na televisão, Inezita gravou mais de 20 discos ao longo de sua carreira, muitos dos quais se tornaram referências no gênero. Álbuns como “Clássicos da Música Caipira” (1972) e “Inezita Barroso” (1977) reúnem clássicos da música caipira, como “Saudades de Matão” e “Lampião de Gás”, além de composições próprias que refletem seu profundo amor pelas tradições rurais. Sua interpretação era carregada de emoção e autenticidade, além daquela voz forte e carregada, características que conquistaram admiradores em todo o Brasil.
Inezita também foi uma incansável pesquisadora da cultura popular. Ela viajou pelo interior do país, coletando cantigas, histórias e instrumentos musicais, e seu acervo pessoal se tornou uma importante fonte de estudo para pesquisadores e entusiastas. Sua dedicação à preservação das tradições a levou a receber inúmeras homenagens e prêmios, como o título de Doutora Honoris Causa em Folclore Brasileiro, em 2005, e a Ordem do Mérito Cultural, em 2004 concedida pelo governo brasileiro em reconhecimento à sua contribuição para a cultura nacional.
Inezita Barroso faleceu em 2015, mas seu legado permanece vivo. Em seu centenário, celebramos não apenas uma artista, mas uma verdadeira embaixadora da música e da cultura regional brasileira, cujo trabalho continua a nos conectar com as raízes mais autênticas do nosso povo. Viva Inezita Barroso! Viva o Povo Brasileiro!
Esta publicação também está disponível no jornal A Tribuna, na edição do dia 11/03/2025, na página A2. Você pode acessar a versão em PDF pelo link: A Tribuna – Edição 13590.