Bom dia, boa tarde ou boa noite, caro leitor, dependendo de quando você estiver com esse artigo em mãos. O fato é que estamos aqui para celebrar os 81 anos completados na semana passada, de Francisco Buarque de Hollanda, ou simplesmente Chico Buarque, o maior compositor da nossa ‘terra brasilis’ em língua portuguesa vivo, claro que, isso na minha modesta opinião.
Chico é daqueles raros artistas que conseguem ser, ao mesmo tempo, populares e cultuados pela crítica, melódicos e profundos, simples e complexos. Suas músicas são como aqueles pratos que agradam a todos: do intelectual que discute metáforas em ‘Construção’ ao trabalhador que canta ‘A Banda’ no boteco. E é justamente essa universalidade que faz com que sua obra sobreviva há décadas, atravessando gerações sem perder a relevância.
Mas, claro, nem tudo são flores, e toda unanimidade é burra, ou melhor, as flores do Chico até são lindas, mas tem gente que prefere não as cheirar por causa do jardineiro. E aqui entramos no espinhoso tema do posicionamento político do homem. Chico nunca escondeu suas inclinações à esquerda, e em tempos polarizados, isso basta para que parte do público resolva jogar fora o disco; às vezes, literalmente.
Não são poucos os que torcem o nariz para ‘Geni e o Zepelim’ ou ‘Cálice’ porque associam as canções a um viés ideológico. “Ah, mas ele apoia isso, defende aquilo, critica aquilo outro…” E daí? Desde quando arte precisa ser asséptica, neutra, despida de opinião? Chico, como qualquer ser humano, tem suas convicções, e elas transbordam para sua obra, assim como as de tantos outros artistas que, curiosamente, não sofrem o mesmo escrutínio quando suas posições são mais… digamos, convencionais.
Aí vem a pergunta que não quer calar: “Como separar o homem da obra?” Rebato, de imediato: “Será que devemos mesmo separar?”
Alguns dirão que sim, que o importante é a música, o texto, a emoção que aquilo provoca, independentemente de quem escreveu. Outros vão argumentar que arte e artista são indissociáveis, que a vida e as escolhas do criador fazem parte do pacote. Eu acho que a resposta está em algum lugar no meio, e mesmo essa talvez nem seja uma resposta definitiva. O que não dá é para deixar de reconhecer que ‘Roda Viva’, ‘Tanto Mar’ ou ‘Vai Passar’ são obras-primas só porque o autor não vota no mesmo candidato que você. A genialidade do Chico está justamente na capacidade de falar do humano e de suas alegrias, suas dores, amores e injustiças de um jeito que transcende bandeiras partidárias. Quem ouve ‘Pedro Pedreiro’ e só enxerga um panfleto político é porque não prestou atenção na poesia daquela espera angustiante, que pode ser a de um operário, um desempregado ou um pai de família qualquer.
E para os desavisados, tem mais: Chico não é só música. É literatura pura. Seus romances, como ‘Budapeste’ e ‘Leite Derramado’, mostram que ele nosso idioma com a mesma maestria com que compõe versos. O cara é um artesão das palavras, seja cantando, seja escrevendo. Claro, ele não é perfeito — ninguém é. Tem quem critique seu suposto elitismo, seu lugar de fala, seu distanciamento do “povo real”. Mas, o quanto isso importa? Arte não precisa ser feita por santos, nem precisa agradar a todos. Ela só precisa ser verdadeira, e Chico, por mais que se discorde dele, nunca deixou de ser autêntico.
No fim das contas, o que fica é a obra. Fica ‘Futuros Amantes’, que arranca suspiros até hoje. Fica ‘Bye Bye Brasil’, que embala histórias de quem parte e de quem fica. Fica aquele refrão de ‘Essa Moça Tá Diferente’, que ainda hoje soa moderníssimo. Chico Buarque já entrou para a história, e nenhuma discussão política vai apagar isso.
Então, que o homem viva muitos anos ainda… de preferência, nos presenteando com mais canções, mais livros, mais dessa genialidade que só ele tem. E que a gente, como público, saiba apreciar a arte pelo que ela é: um reflexo do mundo, com todas as suas contradições. Vida longa ao mestre Chico. E que a gente nunca perca a capacidade de ouvi-lo, sem preconceitos, sem rancores, só pela pura beleza da coisa. Porque no final, é isso que importa.