DISSONANTES

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

DISSONANTE: (adj.): que destoa, desarmônico, discordante…

Dirigindo seu carro a 100km/h na rodovia, resolveu ligar o rádio para ouvir algo. Não era comum que fizesse assim, preferia ficar perdido em seus próprios pensamentos, mas, como estes o martirizavam sobremaneira naquele instante, preferiu buscar uma maneira de relaxar a mente. A estação na qual sintonizou tocava um rock pesado, e ele gostou daquilo que ouviu, aquele som mais agressivo pareceu ter o efeito exato que ele procurava. Mas, ainda assim, aquela imagem dela persistia em não se apagar, como que refletida no para brisa do veículo.

Por que ela agia daquela maneira? Ele fazia de tudo para agradá-la, ou pelo menos pensava que fazia. Às vezes ele mesmo se pegava ruminando se realmente ele se esforçava corretamente, pois as atitudes dela indicavam o contrário. O que havia começado tão bem, tão intenso, como é peculiar em toda paixão nova, com beijos ardentes, com sexo constante e prazeroso, agora se resumia em agressões verbais, psicológicas, e até mesmo físicas, vez por outra. Lembrava-se do dia em que ela, após gritar muito com ele, partiu para cima arranhando o pescoço dele, como que mandando o recado de que só não o machucava mais por não ter força física para tal. Ele apenas se esquivara e saíra quase que correndo para que a situação não piorasse, ainda ouvindo seus berros de ‘incompetente, eu te odeio, acha mesmo que me engana? Suma de uma vez e não volte nunca mais aqui’.

Naquela mesma noite ela ligou, pedindo desculpas, e que fosse até lá, ela precisava pedir perdão olhando nos olhes dele. Ele disse ser desnecessário, que estava tudo certo, até com certo receio duma retomada daquelas atitudes intempestivas, mas, de novo, ela, convincente como ninguém, argumentou e contra-argumentou até que ele saiu de onde estava e foi até ela. Parecia outra mulher, até sua fisionomia era outra, como se anteriormente estivesse tomada de outra pessoa dentro daquele corpo. Agora, ela lembrava a doce garota do começo do relacionamento, que fazia tudo para agradar, era meiga como uma criança inocente, e sexy como uma experiente cortesã. Logo estavam na cama, e os novos arranhões que ele ganhou não tinham a mesma conotação negativa dos anteriores. Nesta hora ele esqueceu de todos os acontecimentos anteriores, como se ela nunca o tivesse ofendido ou agredido, era como se após os carinhos dela e o êxtase físico que ela proporcionava a ele, o nível de culpa de tudo o que ela fazia fosse zerado, tal qual ele houvesse acabado de conhecê-la.

Agora, os pensamentos voltavam com toda força dentro daquele carro, porque dias após reatarem e estarem vivendo nova lua de mel, ela mexeu em seu aparelho de celular e vê uma foto de uma garota. Ele ainda tentou explicar a verdade: se tratava de uma amiga de colégio, que um amigo seu lhe mandara, apenas para que ele visse o quanto ela mudou, mas ele, ingênuo e mesmo certo de que isso não seria um motivo para briga, não apagou o envio. Ela simplesmente ficou desorientada, gritando que era realmente uma idiota, uma corna, que não podia deixar um minuto ele sozinho que ele já corria atrás de vagabundas, e desfiou seu rosário de impropérios nele com tal ferocidade que ele achou que ela iria mais uma vez tentar a investida física para descarregar todo aquele ódio que ela parecia sentir. Nada do que ele disse em sua defesa foi ouvido, e ela mesma se encarregou de expulsar-lhe da sua casa quase que literalmente aos pontapés. Ele entrou no carro e saiu, não havia o que se fazer diferente disso. Acalmar aquele gênio irascível era a única coisa que importava no momento, e estar perto dela ali só atrapalharia o processo. Pensou até na hora em ligar para a garota da foto, colega de tantos anos, mas o que diria? Que ela, sem sequer lembrar da existência dele, havia sido o pivô duma discussão acalorada com sua atual namorada? Que, só por isso, ele olhou de novo e de novo a foto dela, e chegou a pensar como revê-la, reviver um passado que sequer existiu, pois ela nunca deu a menor bola para ele… mas agora os tempos eram outros, ele era um homem até que bem cuidado, pelo que ele vira na rede social onde o amigo resgatara a foto, não parecia ter compromisso sério com alguém, quem sabe até que rolaria algo, para que, por fim, ele se libertasse daquele relacionamento tão prejudicial num aspecto, mesmo que tão excitante e quente por outro…

Ainda pensando nisso, chegou perto de um posto de gasolina. Resolveu abastecer. Aproveitou a conveniência para beber uma cerveja. Não era o correto, ele sabia, mas, a cabeça não parava um minuto de despejar as torrentes de pensamentos, era uma querendo arrancar-lhe o couro, era outra que ele não falava por anos, mas já estava interessado, não sabia como resolver isso, apenas bebeu em grandes goles a cerveja, até que ela atingisse esse seu cérebro atarantado e desse para ele alguma solução, por mais maluca que fosse…

02

– Poxa, quanto tempo! Claro que me lembro, nossa, esse é você? Puxa, você mudou hein…

– Espero que para melhor!

– Sim, muito melhor. Pode ter certeza. Mas, então, é casado. Homem assim não tem mais disponível, só sobraram os feios e os tranqueiras solteiros, rssss

– Assim me deixa tímido, poxa, nem é tudo isso, é só que não me vê a tempos.

– Por isso não, que tal tomarmos alguma coisa essa semana?

Ele estava embasbacado de como as mulheres estavam mais dominantes e atiradas, não conseguindo ainda distinguir se aquilo o assustava ou o excitava. Ela o convidou para sair, e ele, claro, omitiu o relacionamento conturbado no qual vivia, aceitando prontamente o convite. Bateu um pouco de culpa? Sim, mas, algo bem momentâneo, que logo passou. Sua mente justificou sua conduta para si mesma, alegando que aquela mulher estava passando dos limites com ele, e que ele deveria mesmo dar-lhe uma bela lição de que não estava assim, jogado para escanteio e que aquelas atitudes dela só o fazia se afastar cada vez mais. Ele sugeriu algo na cidade vizinha, e não pediu discrição, até para não levantar suspeitas do porquê de se verem fora da cidade. Usou a desculpa de que já conhecia o barzinho ali, que o clima era agradável, a bebida gelada e a comida generosa. Ela disse que tudo bem, só preferia então que ele a buscasse, para não se perder pelos locais, nem algo do tipo, o que ele prontamente aceitou. E, no dia marcado, estava lá.

– Então, seu safadinho, viu minha foto e despertou a curiosidade?

– Você sempre foi linda, mas, o tempo só lapidou sua beleza, não tive como não te procurar depois que vi sua foto com o Evandro.

– E ele? Tá bonitão igual você ou estragou inteiro?

– Ah, você é gentilmente mentirosa, eu, bonito? Estou um caco!

– Humm, então, me arranha toda, caco gostoso.

Era demais como ela ficava extremamente à vontade com ele, sem receio de julgamentos. E assim continuou, até irem para um motel próximo dali, onde ela aceitou sem rodeios ir, onde ela, sem rodeios, ficou nua e mostrou que realmente, o tempo só apurou aquelas curvas, aquela pele perfumada e lisa, aqueles cabelos encaracolados, aqueles seios que há muito ele não via naturais e tão bem-feitos em volume e forma. Ele se deliciou naquela mulher como um garoto que apanha a manga do pé, desce afoito, ainda molhado de suor, e chupa a fruta sem pudor nem medo daquele caldo que escorre pelo pescoço abaixo. Ela, pelos sinais, pareceu também ter gostado muito, tanto que logo o estava acariciando, ronronando em seu ouvido como gata amorosa pedindo mais, ao que ele não se fez de rogado, e partiram para uma segunda etapa daquele amor efêmero e proibido.

Claro que esse envolvimento não parou por aí. Começaram a conversar com frequência, trocando mensagens e telefonemas constantes. Fotos e promessas também faziam parte desse pacote. Ele vivia num malabarismo intenso para administrar as suas duas paixões; essa nova que dava a ele gás novo, excitação do perigo, como se fosse um adolescente, e com seu compromisso ‘oficial’, que também não o abandonava, e continuava oscilando de humor, sendo doce e companheira quando sentia falta dele, seja em sentido financeiro ou sexual, mas, cruel e ácida, quando estava satisfeita em todos os sentidos, não deixando de o humilhar, ofender e atacar. Ele vivia dizendo para si mesmo que aquilo não estava certo, que ele não precisava passar por aquilo, ainda mais agora que ele tinha alguém que o admirava como era, nunca o criticando, e sempre estando pronta para levantar sua moral e seu pênis, ao menor sorriso, ao menor toque. Toda semana decidia que acabaria com aquele relacionamento conturbado, e se entregaria de vez à nova experiência que estava vivendo, mas, como se fosse uma droga, que ele sabia estar prejudicando-o, ele não tinha forças para deixar enfim, e acaba sucumbindo, uma, duas e tantas vezes quanto ela o procurasse, isso quando ele mesmo não a procurava, buscando migalhas do seu amor, da sua atenção e até mesmo do seu fel amargo que ela destilava nele tão bem quando se encontrava aborrecida.

03

Depois de algumas cervejas, ele dormia a sono solto no sofá, indefeso como um animal abatido. Haviam feito amor, algo feroz, insano, e isso o recarregava de energias para suportar aqueles arroubos dela. Ela, como que do nada, levanta-se, vai ao banheiro, e na volta, vê o aparelho de celular caído no canto do chão atapetado. Com curiosidade inocente, pega o mesmo. Travado por senha. Ela sabia o código. Digita uma, duas, três vezes, nada, o aparelha não desbloqueia. Ela fica intrigada. Teria ele mudado a senha? Se sim, por quê? O que estaria escondendo? Aquilo faz o sangue dela ferver nas veias, alguma ele estava aprontando, e ela descobriria. Lembrou-se que, além da senha, ele também tinha o bloqueio biométrico. Acionou essa opção e cuidadosamente, pegou-lhe a mão, para que ele não acordasse, e foi direcionando o polegar direito dele na tela. Ao primeiro toque, a digital não foi reconhecida. Ela já estava à beira do desespero. Tentou novamente, e dessa vez, a mágica aconteceu, o aparelho foi desbloqueado. Ela voltou ao banheiro para poder mexer sem ser incomodada, nem despertar o homem. E ali começou a descobrir as novas aventuras dele.

Os dentes estavam tão cerrados enquanto ela lia as conversas arquivadas e olhava as fotos na galeria, que o maxilar dela começava a doer, tamanha a tensão. Cada frase parecia lhe sangrar os olhos, aquele maldito achava que a enganaria por quanto mais tempo? Então, sua intuição não estava errada desde o primeiro dia. Aquela vagabunda que ele disse nem se lembrar mais de quem era estava transando com ele e não apenas uma vez. Ela era sua amante, e os dois estavam se vendo com constância. Ela era uma corna, uma enganada. Corna até poderia ser, mas, mansa, jamais, ela pensava. De alguma forma muito dolorosa ele pagaria o que estava fazendo com ela. O maldito dizia querer se casar, e ela se preparando para isso, para aceitá-lo como seu marido, e ele transando com uma ex amiga de colégio debaixo de seu nariz. Isso não poderia ficar assim. Ele havia subestimado ela, mantendo as conversas no arquivo, e as fotos dela no próprio celular. Quanta ousadia da parte dele! Realmente, ela tinha um corpo bonito. Certeza de que era uma vagabunda, para ter tempo de se cuidar dessa forma, devia ter ele e mais outros tantos, que sustentavam esse luxo todo, esses seios enormes que certamente deveriam ser siliconados. Ela já a odiava, e ela que esperasse, pois, sua vingança contra ela não demoraria a chegar. Mas, antes, quem deveria provar de toda sua raiva era ele.

Pé ante pé, sorrateira como um leopardo de olho na presa, ela atravessou pela sala, onde ele ressonava alto seu sono artificial embalado pelo álcool. Dirigiu-se até a cozinha, abriu o armário com todo o cuidado possível, e numa panela de ferro que tinha, despejou generosos goles de óleo de soja na panela. O que a levava a querer cozinhar naquele momento? Ao invés de acionar o acendedor elétrico do fogão, teve o cuidado de riscar um fósforo, para manter ao máximo possível o silêncio do ambiente. O óleo começou a esquentar, lentamente, sem fazer ruídos. E nada dela pegar uma batata, um alho, um arroz, o que quer que fosse. Ele ressonava mais alto, como se estivesse no ápice do sono, e virou-se de lado, como se estar de barriga pra cima o estivesse incomodando. Isso fez com que o ronco dele diminuísse, como se, por fim, estivesse dormindo em paz. Uma fumaça branca e pouco espessa começou a subir da panela, indicando a alta temperatura em que se encontrava o óleo. Ela, tentando ser o mais silenciosa possível, fuçou no armário até achar um bule velho que tinha, talvez herança de mãe ou de avó, e que sequer ela usava, haja vista ter cafeteira elétrica, bem mais prática no seu entendimento. Remexia ainda no celular dele, e cada frase, cada foto, aumentava-lhe o ódio e dava-lhe firmeza para pôr a termo seu plano. Transferiu aquele óleo fervente da panela para o bule, que ficou quase cheio com o conteúdo, e tornou sua superfície metálica tão quente que mesmo só tocando no cabo de baquelite, quase teve a superfície dos dedos queimada apenas pelo reflexo do calor. Olhou mais uma vez para aquela foto da vagabunda pelada, um par de seios invejável, uma bunda bem redonda de quem praticava muitos exercícios para que ficasse daquela forma, e só aí deixou o aparelho na bancada da pia. Com o bule em punho, dirigiu-se até o sofá. A posição dele, de lado, favorecia seu plano, como se ele soubesse que era um traidor culpado e que merecia o fim que teria. Mirou bem o ouvido direito dele, e vagarosamente, começou a despejar o conteúdo do bule…

Uma mensagem chegava em seu aparelho. Ele já estava nas conversas afixadas no topo da tela, então, assim que a notificação sibilou, ela foi ver:

– Oi, meu amor, estou morrendo de saudades, pode me encontrar dentro de uma hora? Hoje eu escolho o lugar, quero te fazer uma surpresa inesquecível, tudo bem?

Ela sorriu, sentindo-se úmida, na expectativa de se entregar mais uma vez deliciosamente àquele homem maravilhoso! Aceitou e já começou a se arrumar, mal podendo se conter de desejo.

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

Últimas Postagens

Anúncios

4 1 voto
Article Rating
Inscrever-se
Notificar de
guest
1 Comentário
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Ronaldo Filho
Ronaldo Filho
5 meses atrás

Intrigante, provocativo, sensual e mortal!

Get Curated Post Updates!

Sign up for my newsletter to see new photos, tips, and blog posts.

Subscribe to My Newsletter

Subscribe to my weekly newsletter. I don’t send any spam email ever!