ENFERMAGEM – DE FLORENCE À ANA NÉRI

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Uma mulher inglesa revolucionou a medicina com uma lâmpada na mão e outra, brasileira, décadas depois, faria o mesmo nos campos de guerra do Paraguai. Falamos de Florence Nightingale e Ana Néri, unidas pela mesma missão: cuidar. Por isso, em 12 de maio, o Dia Internacional da Enfermagem não é só uma homenagem global; no Brasil, é também um reconhecimento à nossa primeira enfermeira, uma mulher que trocou o conforto pelo front de batalha, muito antes de ser uma profissão valorizada.

Se Florence Nightingale iluminou os hospitais da Crimeia no século XIX, Ana Néri fez o mesmo na Guerra do Paraguai. Viúva e mãe de três filhos, ela não ficou em casa quando os homens de sua família foram para o front. Partiu com eles, não com armas, mas com ataduras, ervas medicinais e um coração disposto a cuidar até dos soldados inimigos. Improvisou hospitais, enfrentou epidemias e, ao voltar, trouxe consigo órfãos da guerra para criar. O Brasil a esqueceu por décadas, mas a história a registrou como aprimeira enfermeira brasileira, dando nome à nossa mais tradicional escola de enfermagem, além de ser a primeira mulher a ter seu nome gravado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.

Anos-luz dali, em 2020, uma nova guerra chegou — sem trincheiras, mas com UTIs lotadas. E lá estavam eles: os enfermeiros e enfermeiras brasileiros, os “Ana Néris” de jaleco e face Shield (visores de proteção facial) trabalhando 36 horas seguidas, dormindo em corredores, segurando celulares para pacientes se despedirem de suas famílias. Em Manaus, viram o oxigênio acabar. No Rio, viraram “anjos da madrugada” em hospitais abandonados. Em São Paulo, carregaram mais corpos do que jamais imaginaram. Vacinaram milhões, consolaram outros tantos e, mesmo depois do pior, continuam sendo a linha tênue entre o caos e a cura em postos de saúde esquecidos, em aldeias indígenas e nas periferias. Quantas vezes, por medo e egoísmo, implorei à minha esposa que pedisse demissão e ficasse em casa, para a proteção física dela e a nossa. Sua resposta? “Se todas nós pensarmos assim, quem vai cuidar desses doentes?” E, teimosamente, como é seu costume, não arredou pé e honrou seu uniforme até o fim.

Mas quantos “Anas” e “Florences” ainda trabalham sem condições? O Brasil tem a maior força de enfermagem da América Latina, mas também um dos cenários mais brutais: salários aviltantes, profissionais ganhando miséria, ataques violentos em UPAs, sindicatos gritando por pisos dignos e governos surdos. Enfermeiros fazem curso superior para ganhar menos que um motorista de app. Técnicos viram “heróis descartáveis” após a pandemia. E mesmo assim, eles não desistem, e se multiplicam. Prova cabal disso é, minha própria filha, apesar de ter consciência de todo o exposto acima, escolher seguir a carreira da mãe, e dedicar sua vida à causa de cuidar dos doentes.

Ana Néri e Florence não eram santas, eram mulheres de carne e osso que escolheram lutar. Hoje, a melhor homenagem que podemos fazer é transformar o reconhecimento em ação: exigir valorização real, aplaudir menos e agir mais. Sabemos que esperar de nossas autoridades, que lesam aposentados como se nada estivesse acontecendo, e empurram a culpa de um para outro como uma batata quente a ser evitada, é algo quase utópico. Mas, devemos ter a mesma fibra dessas pioneiras em jamais desistir de buscar o melhor para o semelhante, e assim como estes profissionais dedicam sua vida a cuidar das nossas vidas, que possamos usar parte de nossos recursos, intelectuais e físicos, para também lutar bravamente para que eles sejam reconhecidos e valorizados. A lâmpada de Florence atravessou séculos. A coragem de Ana Néri atravessou fronteiras. Agora, essa luz está nas mãos de 2,5 milhões de profissionais no Brasil merecedores de mais que flores em maio. Merecedores de respeito e melhores condições de trabalho em todos os meses do ano.

Porque enfermagem, no fundo, é isso: o ofício de manter viva a chama da humanidade, mesmo quando o vento sopra contra. Obrigado, de quem vê seus labores todos os dias de dentro de casa. Meu mais profundo respeito.


Esta publicação também está disponível no jornal A Tribuna, na edição do dia 14/05/2025, na página A3. Você pode acessar a versão em PDF pelo link: A Tribuna – Edição 13642.

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Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

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Marcelo Cappelletti
Admin
22 dias atrás

Que texto emocionante e necessário! Uma verdadeira homenagem à força, coragem e importância dos profissionais da enfermagem. Unir a história de Florence e Ana Néri com a realidade atual foi simplesmente brilhante. Parabéns pela sensibilidade e profundidade!

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