O cinema brasileiro está indo muito bem, obrigado, e agora, prestes a ganhar uma obra que promete ser tão singular quanto o artista que retrata: “Homem com H”, cinebiografia de Ney Matogrosso, um dos nomes mais icônicos e transgressores da música nacional. O filme, dirigido por Esmir Filho e protagonizado por Jesuíta Barbosa, só aí, com possibilidades gigantescas de sucesso, mergulha na vida de um homem que desafiou convenções, preconceitos e estereótipos para se tornar um símbolo de liberdade e autenticidade. O trailer, divulgado recentemente, já aquece os corações dos fãs, como eu, e promete uma narrativa emocionante e sem filtros sobre a trajetória do artista.
Ney Matogrosso, nascido Ney de Souza Pereira, é um fenômeno cultural indiscutível. Sua voz andrógina, sua presença de palco hipnotizante e sua estética desafiadora o tornaram uma figura única no cenário artístico brasileiro. O filme começa com sua infância e adolescência, mostrando as barreiras que enfrentou, especialmente o preconceito do pai, um militar, em relação a seus trejeitos e orientação sexual. Essas cenas iniciais já revelam um tema central da história: a luta pela aceitação, tanto interna quanto externa, em um mundo que nem sempre está preparado para abraçar a diferença, ainda mais nos anos em que isso aconteceu.
A ascensão de Ney com o grupo Secos & Molhados é um dos momentos mais aguardados do filme. O grupo, que revolucionou a música brasileira nos anos 1970, foi um marco não apenas pela sonoridade inovadora, mas também pela estética ousada de Ney, que desafiou padrões de gênero e comportamento. O trailer mostra cenas que retratam a tensão entre o sucesso e a rejeição, evidenciando como o artista era visto como uma figura polêmica até mesmo entre seus pares. Suas roupas extravagantes e pinturas faciais, que hoje são celebradas, eram motivo de desconforto para muitos na época. Será que teríamos a mesma coragem de ‘bancar’ nossos sonhos, independentemente do preço a ser pago, incluindo a crítica ferrenha dos nossos queridos pares? E não me refiro somente a sonhos artísticos, mas, sonhos, sejam eles quais forem os nossos.
O longa também explora o relacionamento de Ney com Cazuza, interpretado por Jullio Reis, e sua colaboração no show Ideologia, de 1988. Essa parceria artística é um dos pontos altos da narrativa, mostrando a conexão entre dois ícones que, cada um à sua maneira, desafiaram as normas de sua época. Além disso, o filme não se furta a abordar temas delicados, como a epidemia de HIV/AIDS, que ceifou a vida de muitos amigos de Ney, e a sua própria surpresa por ter escapado ileso daquela tragédia. Tempos cinzentos que mesmo assim, não apagaram o brilho dessa estrela.
A repercussão do trailer nas redes sociais já indica que “Homem com H” será um sucesso. Isso também é minha aposta pessoal, de que filmes sem viés ideológico também podem se destacar no cenário nacional. O público está ansioso para ver a história de um artista que, aos 83 anos, continua a inspirar gerações. O título do filme, uma referência à música homônima de Antônio Barros, também é uma homenagem à forma como Ney se define: um homem que transcende rótulos e paradigmas de gênero, mostrando que masculinidade é essencialmente não afrouxar a resistência diante das adversidades.
Ao final desta análise, é impossível não refletir que Ney enfrentou preconceitos, críticas e dúvidas, mas nunca desistiu de ser quem era. Sua trajetória nos lembra que a verdadeira liberdade está em viver com autenticidade, mesmo que isso signifique nadar contra a maré. Que seu exemplo nos inspire a perseguir nossos sonhos, não importa quantos obstáculos estejam no caminho. Afinal, como ele mesmo provou, a arte de viver está em ser fiel a si mesmo.
Esta publicação também está disponível no jornal A Tribuna, na edição do dia 06/03/2025, na página A2. Você pode acessar a versão em PDF pelo link: A Tribuna – Edição 13586.