Na manhã de segunda-feira, 14 de Abril, enquanto o mundo bocejava diante das notícias previsíveis, um detalhe fugiu ao script: Katy Perry foi ao espaço, na missão NS-31, da Blue Origin. Sim, a própria. Sem figurino de doces, sem backing vocals, sem pirotecnia. Só ela, flutuando entre as estrelas, ao lado de uma tripulação composta só por mulheres — engenheiras, cientistas, astronautas veteranas e novatas. Um marco histórico embalado pelo jazz ‘What a Wonderful World’ e precisão matemática.
Não era marketing. Era ciência de alto nível, tecnologia de ponta, e uma celebração do possível. A nave partiu do Texas, claro. De onde mais? Foi movida a combustível reciclável, com nave autônoma e escudo térmico ajustável em tempo real. Coisa fina. A bordo, sensores monitorando tudo: batimentos cardíacos, variações de pressão, até o humor das tripulantes, como quem diz “o futuro chegou, e sabe sorrir”.
A missão durou pouco menos de dez minutos. Dez minutos que pareciam uma mixtape intergaláctica: transmissão ao vivo da viagem, experimentos sobre como o corpo feminino reage em ambientes extremos, e meninas de escolas públicas do mundo todo acompanhando e vendo ali, flutuando, uma versão possível de si mesmas. O timing foi perfeito. Em tempos em que o céu parece cada vez mais um campo de batalha geopolítica, ver mulheres dominando o espaço com leveza foi como abrir uma janela num quarto abafado.
Mas então olhamos para o lado.
No Brasil, o noticiário paralelo parecia saído de um episódio perdido de Black Mirror. Computadores escolares com Windows 7, hospitais sem conexão estável, escolas sem internet — ou com internet que só funciona na sala da diretora, porque o modem é velho e não pode ser movido. Enquanto a cápsula da Katy Perry se ancorava com precisão milimétrica na órbita terrestre, aqui ainda discutíamos se vale a pena colocar ar-condicionado em sala de aula ou manter o ventilador de teto com as pás soltas.
A disparidade não é só triste. É constrangedora.
E não é só falta de dinheiro. É também falta de vontade política. Porque verba há — para emenda, para publicidade estatal, para helicóptero de luxo, para as viagens pomposas ao redor do mundo com uma comitiva numerosa e cara. O que falta é prioridade. Nossos governantes olham para o futuro como se ele fosse ficção científica, algo reservado a outros países, outras línguas, outros rostos. Há uma espécie de sabotagem sutil, quase preguiçosa, que nos impede de acelerar. Como se manter o povo desconectado fosse uma estratégia para não ter que lidar com ele informado.
Enquanto mulheres norte americanas fazem cálculos orbitais e discutem biomecânica em microgravidade, por aqui a gente ainda tropeça em apostilas mal diagramadas e bibliotecas sem livro. E o mais trágico é que, às vezes, parece que o atraso é um projeto. Porque um povo que não entende tecnologia não cobra transparência digital. Um povo que não tem acesso à ciência não contesta narrativas fajutas. É como manter todos no escuro, mesmo ao meio-dia.
Ver Katy Perry no espaço não é só curioso — é revelador. Mostra o que acontece quando se investe em educação, ciência, inclusão. Quando você permite que uma menina de 10 anos sonhe não apenas com o palco, mas também com o painel de controle de uma nave. E mostra, também, o que estamos perdendo por aqui: não por falta de talento, mas por excesso de descaso.
A crônica não é contra o Brasil. É contra o Brasil que nos impõem. Contra o Brasil que poderia estar lançando foguetes, mas vive tentando consertar o paraquedas enquanto despenca.
📰 Esta publicação também está no jornal O Democrata!
Nosso artigo foi publicado na edição do dia 12/04/2025 do jornal O Democrata, na página 5.
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