O MENINO E O CATA-VENTO

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

   – Beto, vamos comigo ao parque catar algumas latas para vender. – Mais um dia se iniciava, e mais uma vez Rodolfo solicitava a ajuda do pequeno Beto, que nunca negava isso ao pai.

         No parque, pessoas com tênis importados e cachorros bem tratados (mais bem tratados que Rodolfo e Beto) passeavam por todas as partes do ajardinado lugar. Curioso, Beto olhava as crianças com sorrisos brancos e suas roupas novas e coloridas. Mas o que mais chamava a atenção do menino Beto é um brinquedo colorido e barulhento, um cata-vento girando e fascinando o menino com seu movimento rápido. O vendedor, astuto, percebe isso e se aproxima ainda mais do garoto, como que induzindo o desejo quase incontrolável do menino pelo hipnotismo do girar colorido do brinquedo.

      – Pai, será que podemos comprar um cata-vento desses para mim? – Os olhos súplices de Beto derreteriam geleiras no Pólo Norte.

   Com lágrimas nos olhos de saber que se têm apenas alguns reais no bolso e será preciso escolher entre o cata-vento ou a próxima refeição, Rodolfo precisa pensar rápido na sua decisão. No entanto, o sorriso de Beto ao ganhar o presente superaria a possível fome posterior. Não titubeou mais:

         – Tudo bem! – Respondeu fingindo uma empolgação tal qual uma leve canção. – Pegue um para você. Isso talvez custe nosso almoço, então, escolha o mais lindo que achar. Não se esqueça dessa lição: Tudo na vida tem um preço, e sempre haverá uma escolha a ser feita.

         Beto escolheu o mais bonito, e ficou com essa lição na cabeça.

         Os anos se passaram, Beto estudou em escola pública, mas sempre se lembrando da lição ensinada pelo pai, e com isso trocou muitas vezes o lanche pelo bilhete de ônibus, e as saídas com os amigos pelo rosto afundado nos livros. Com isso, automaticamente trocou a ignorância que o pai vivia, pela erudição, e o serviço de catar latinhas nos parques por um estágio de engenharia eólica numa grande empresa de energia de uma grande cidade.

         Continuando a trocar os maus presentes que a vida havia lhe dado por bons cata-ventos que ele escolhera para si, firmou-se na empresa, até ser o engenheiro responsável pela fabricação das turbinas eólicas dessa fábrica, com um nome respeitável e um salário muito bom. Jamais se esquecendo de Rodolfo, a essa altura, pelas agruras dos anos e do estilo de vida levado, velho e arqueado, comprou-lhe uma bela casa, na parte rural de sua cidade, tal qual sempre foi seu sonho, conforme confidenciara ao filho quando ainda moleque. Também cuidava de seu convênio médico, dando, na medida do possível, uma sobrevida digna ao velho pai, mostrando-se grato pela bela lição que o ancião lhe dera há muitos anos atrás.

         A vida é sempre cruel, e doutor Roberto, como era conhecido, teve num dia cinzento e frio de comparecer ao enterro do pai pouco tempo depois, mas trocou o amargor da perda pela lembrança doce das palavras do seu genitor, mesmo pobre que sempre foi, honrado na mesma intensidade, e agradeceu a Deus pela dádiva de ter se aplicado sempre em obedecer desde moleque ao velho sábio.

         Beto, fabricando sempre seus cata-ventos, agora gigantes, e agora para o bem não só de crianças pobres que tinham de optar entre almoçar ou ganhar um brinquedo, mas hoje para benefícios de nações inteiras que optavam também por uma energia limpa que não prejudicasse ainda mais nosso combalido planeta, teve, num dia de reunião de diretoria da sua empresa, de tomar uma das mais importantes decisões de sua vida:

         – Roberto, esse projeto que desenvolveu realmente é muito bom, mas temos uma negociação milionária em vista, e nossa empresa está sendo preterida na negociação devido ao custo do nosso produto. Precisamos muito dessa conta nova, e por isso, quero que faça um produto com uma qualidade um pouco inferior, com materiais mais “simples”, para que possamos tornar-nos competitivos, entende onde quero chegar?

         – Entendo perfeitamente, diretor, porém, não posso concordar em assumir esse projeto. Estudei muito e sempre aprendi que devemos fazer nosso melhor. Ainda mais num assunto que envolve vidas e o futuro de toda uma nação, senão de várias nações. Acho que o dinheiro envolvido nisso não justifica a queda no padrão.

         – O dinheiro envolvido nisso justifica qualquer coisa, e uma empresa vive de lucros, ou acha que seu belo salário é pago de que forma?

         – Ele com certeza é pago senhor, com o lucro sim que dou a essa empresa com os meus projetos, projetos de boa qualidade, respeitando os códigos internacionais de qualidade e segurança. Mas, caso ache que estou sendo um prejuízo para sua empresa, meu cargo está à disposição.

         – Pois que assim seja, até porque sua petulância não será justificada pelo excelente profissional que é.

         – Não quero passar a impressão de petulância, senhor, eu quero apenas que entenda que obedeço a um padrão de conduta e caráter em minha vida do qual não abrirei mão. Tem certas coisas que não se podem ser trocadas. Sempre haveriam escolhas a serem feitas na vida, meu pai me ensinou, e a minha já foi feita.  

         Mudou-se, desempregado, não sabia até quando, para a casa que havia comprado do pai, e um dia, na mesma praça que sempre ajudara seu pai a ganhar o parco sustento que o tornou um engenheiro de renome, viu um menino, rosto sujo, pés no chão, com os olhos grandes e fixos nos cata-ventos coloridos, chamou-o perto de seu banco e disse:

         – Garoto, quer um desses?

         – Quero sim senhor, mas não tenho dinheiro, pedi aqui na praça, mas ninguém me deu, estou com fome.

         – E você quer comer um bom pão com manteiga, ou o cata-vento?

         O pequeno olhou para si mesmo, como se consultasse sua barriga, olhou o brinquedo colorido rodando muito, e não pensou mais:

         – Quero o cata-vento. O senhor me dá um?

         – Pode ir lá pegar. Olhe, aprenda isso. O que você fez chama-se escolha. Na sua vida, sempre terá de fazer isso. Escolher. Escolha sempre o que for melhor para você e para as pessoas em volta de você. Com certeza se sairá muito bem. Tome aqui, esses trocados, e compre um pedaço de pão naquele bar ali do outro lado.

         O menino sorriu, e, tal qual um cata-vento que gira, gira e gira, mais um ciclo de vida se iniciava ali.

PEDRO ANTONIO, 21 DE AGOSTO DE 2011

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

Últimas Postagens

Anúncios

0 0 votos
Article Rating
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Get Curated Post Updates!

Sign up for my newsletter to see new photos, tips, and blog posts.

Subscribe to My Newsletter

Subscribe to my weekly newsletter. I don’t send any spam email ever!