Era uma manhã cinzenta quando Rodolfo chamou o filho:
— Beto, vamos ao parque catar algumas latas para vender.
O menino, acostumado ao ritual diário, levantou-se sem reclamar. Sabia que aquelas latinhas significariam um pouco mais de comida na mesa. Enquanto caminhavam, o pai, de mãos calejadas, olhava para o céu, como se buscasse uma resposta que nunca vinha. Beto, por sua vez, observava as pessoas bem-vestidas que passavam por eles, indiferentes.
O parque era um mundo à parte. Crianças com roupas novas brincavam sob o olhar atento de pais que carregavam sorvetes e brinquedos. Cachorros de raça, com coleiras caras, passeavam como reis ao lado de donos que nem sequer olhavam para Beto e Rodolfo. Mas o que realmente capturou a atenção do menino foi um cata-vento colorido, preso a uma barraca improvisada. Suas pás giravam velozes, lançando reflexos de luz que pareciam dançar no ar.
O vendedor, um homem esperto, percebeu o fascínio no olhar de Beto e aproximou-se:
— Bonito, não é? Faz barulho e brilha no sol. Quer um?
Beto sentiu o coração acelerar. Nunca tivera um brinquedo novo. Virou-se para o pai, com os olhos cheios de esperança:
— Pai, será que podemos comprar um cata-vento desses?
Rodolfo hesitou. Sabia que o pouco dinheiro que tinham era para o almoço. Mas o rosto do filho, iluminado pela alegria daquela simples possibilidade, fez seu coração pesar. Respirou fundo e disse, tentando disfarçar a preocupação:
— Tudo bem, filho. Escolha o que mais gostar. Mas lembre-se: tudo na vida tem um preço. Às vezes, temos que abrir mão de uma coisa para ganhar outra.
Beto pegou um cata-vento vermelho e azul, e seu sorriso valeu mais que qualquer refeição. Enquanto caminhavam de volta para casa, o menino não parava de olhar para o brinquedo, girando-o contra o vento, encantado.
Os anos se passaram, e Beto nunca esqueceu aquele dia. Aprendera desde cedo que cada escolha tinha consequências. Enquanto outras crianças desperdiçavam tempo, ele estudava. Troca após troca: o lanche da escola pela passagem de ônibus que o levava à biblioteca, as brincadeiras na rua por horas de estudo à luz de velas quando a eletricidade faltava.
Seu esforço o levou a uma bolsa em uma escola técnica e, mais tarde, à faculdade de engenharia. Rodolfo, agora mais velho e curvado pelo tempo, orgulhava-se do filho, mesmo sem entender completamente os livros que ele trazia para casa.
Quando Beto conseguiu um estágio em uma grande empresa de energia eólica, sentiu que estava no caminho certo. As turbinas que ajudava a projetar eram como cata-ventos gigantes, capazes de gerar energia para cidades inteiras. A pobreza que um dia o cercara agora era apenas uma lembrança distante.
Anos depois, já como engenheiro-chefe, Beto — agora chamado de Dr. Roberto — enfrentou um dilema. Em uma reunião de diretoria, o presidente da empresa propôs:
— Precisamos reduzir a qualidade dos materiais das turbinas para cortar custos. Há um contrato milionário em jogo.
Beto não titubeou:
— Essas turbinas são usadas em usinas que alimentam milhões de pessoas. Se falharem, vidas estarão em risco.
O diretor insistiu, argumentando que o lucro era essencial para a empresa. Mas Beto manteve-se firme:
— Meu pai me ensinou que algumas coisas não têm preço. Se a empresa quer seguir esse caminho, não serei eu quem assinará esse projeto.
Naquele mesmo dia, ele deixou o emprego.
De volta à cidade natal, Beto visitou o mesmo parque onde, décadas antes, ganhara seu primeiro cata-vento. Sentado em um banco, observava as crianças brincando quando avistou um menino de pés descalços, olhando fixamente para uma barraca de brinquedos.
Aproximou-se e perguntou:
— Quer um cata-vento?
O garoto hesitou:
— Quero…, mas estou com fome.
Beto sorriu, lembrando-se de sua própria infância.
— Então você tem uma escolha: o cata-vento ou um pão?
O menino pensou por um momento e respondeu:
— O cata-vento!
Beto riu e, tirando algumas moedas do bolso, disse:
— Aqui está. Pegue o brinquedo e compre um pão também. Mas lembre-se: na vida, sempre teremos que escolher. Escolha com sabedoria, porque cada decisão constrói o seu futuro.
Enquanto o garoto corria, feliz, com seu cata-vento girando ao vento, Beto sentiu que o ciclo se completara. A lição de Rodolfo continuava viva, passando de geração em geração.
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Nosso artigo foi publicado na edição do dia 29/03/2025 do jornal O Democrata, na página 5.
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