A morte de Oliviero Toscani, mestre da fotografia e da provocação, dia 13 pp., aos 82 anos, nos convida a uma reflexão profunda sobre a natureza da arte e o papel do artista na sociedade. Conhecido por suas campanhas publicitárias polêmicas para a Benetton, cliente de muitos anos, Toscani nos legou uma herança controversa, marcada por imagens que chocaram, incomodaram e, ao mesmo tempo, nos fizeram pensar em questões tais quais essas: Afinal, qual o preço da relevância? É mais satisfatório ser aplaudido pela multidão ou desafiar o ‘status quo’, mesmo que isso signifique enfrentar a ira de alguns setores?
Oliviero Toscani, com suas imagens provocativas e impactantes, transcendeu os limites da publicidade, transformando a fotografia em uma poderosa ferramenta de denúncia social. Suas obras, ao desnudar realidades cruéis e dolorosas, como a AIDS, o racismo e a guerra, funcionaram como um espelho da sociedade, refletindo suas mazelas e incitando o debate público. Ele quis pagar o preço por ser autêntico, e isso deveria levar todo artista a pensar em como sua obra está impactando na sociedade.
Por definição, a força da imagem fotográfica reside em sua capacidade de capturar um instante, congelando-o no tempo. Toscani explorou essa característica ao máximo, criando imagens que não apenas documentavam a realidade naquele momento único, mas também a questionavam. Ao apresentar ao público cenas que muitos classificaram de chocantes e perturbadoras, ele forçava-nos a confrontar nossos próprios preconceitos e a olhar para o mundo de uma perspectiva diferente. Um exercício de autoavaliação crua, sem ensaios ou rodeios. Mas até que ponto estamos dispostos a encarar a verdade incômoda, por mais dura que ela seja? Quão prontos estamos para nos desnudar nessa intensidade?
O legado desse genial fotógrafo nos desafia a refletir sobre o papel da arte na sociedade e sobre a nossa própria responsabilidade como consumidores de imagens, afinal, somos a substância que cria a chamada ‘sociedade’, e tanto mais ainda hoje, num mundo muito mais visual e digital em relação a décadas passadas. Por isso, ao mesmo tempo que celebramos sua ousadia e criatividade, admirando ou mesmo invejando-o, devemos estar atentos aos riscos da manipulação e da banalização da fotografia e da representação das coisas, pois, por detrás disso, qual é a mensagem que desejam passar? Não acreditemos em isenção, isso simplesmente não existe quando se trata de seres humanos, sempre haverá um lado a ser defendido, e cabe a nós termos maturidade de saber qual é esse lado, e se queremos ou não o defender, abraçando a causa.
A decisão de Toscani por uma abordagem provocativa gerou debates acalorados sobre os limites da arte e da ética. Ao provocar, ele garantia que suas mensagens fossem ouvidas, mas também corria o risco de banalizar temas sérios e de alienar parte do público. Afinal, devemos nos perguntar, qual o ponto exato em que a provocação se torna sensacionalismo, perdendo, assim, o senso de arte? A busca por chocar pode ser um poderoso catalisador para a mudança social, mas também pode levar à desumanização e à banalização do sofrimento. Onde traçamos a linha entre a manifestação artística que provoca e a que ofende? É fundamental que os artistas que escolhem esse caminho estejam conscientes das implicações de suas ações e busquem um equilíbrio entre a necessidade de ser ouvido e a responsabilidade de não causar danos.
Concluindo, a arte, como qualquer forma de comunicação, possui um poder transformador. Se optaremos por sermos da linha mais apaziguadora, uma que se mantém na política da boa vizinhança, e do ganha-ganha, ou se, assim como nosso homenageado, trilharemos o caminho da originalidade, provocando e mesmo chocando, essa decisão caberá exclusivamente a nós. Cabe a nós, assim que escolhida, utilizá-la de forma consciente e responsável, buscando sempre o bem comum. Para que, quando nosso corpo não estiver mais neste plano, nossa arte seja lembrada, comentada, questionada, criticada e admirada, assim como a do grande Oliviero Toscani.
Parabéns pela sensibilidade e atualidade na analogia do caso e o contexto social em que se insere.
A arte sempre transforma situações e contextos, porém somente alguns conseguem canalizar os fatos e gerar impactos que gerem reflexões.
Oliviero deixa um legado e ao mesmo tempo um vazio. É raro hoje em dia personas “au concours” que nos mostrem um novo olhar crítico criativo com sutilezas e versatilidade.
Que “todas as cores do mundo” ilustrem e iluminem o céu de Oliviero e de lá ele inspire novos sonhadores da crítica criativa.
Parabéns pelo texto, ufano amigo!