Aquela unha encravada no canto do dedão do meu pé estava me matando! Só perdia em dor e incômodo ao pé na bunda que eu havia levado da Ágata, que depois de meses de paixão intensa, havia me trocado por aquele rapaz que fazia coquetéis num pub que eu mesmo a levei um dia para ouvir rock. O rapaz chegou como quem não queria nada, e, aceita esse drinque aqui, aceita esse agora, deixou-nos ambos de pileque, e aproveitou o momento pra dar em cima dela. Boa pinta, conversador, ela já meio enjoada do que nosso relacionamento havia se tornado, passou o número do celular pra ele. Algumas semanas depois veio terminar tudo comigo, depois de, com certeza, ter ido pra cama com ele algumas vezes. Corno do bartender, só comigo mesmo!
Minha tia quem me indicou a profissional, vai lá nessa moça, ela é conhecida minha, cuida dos meus pés e de mais um monte de amigas em comum. Eu achei isso uma falta de masculinidade da minha parte, sou do time que acha que homem de banho tomado e dente escovado tá mais do que cuidado. Agora, podóloga? Nem vou dizer o que passou na minha cabeça… e se os amigos do bar e do futebol descobrem um disparate desses? Nunca mais eu teria sossego na minha vida. Mas, eu já estava sem sossego com aquele maldito dedão que latejava vinte e quatro horas por dia, o dedo repuxava só de eu encostar no lençol da cama à noite. Resolvi fazer um pacto de silêncio com minha tia e pedi que ela marcasse uma hora com a distinta profissional.
E lá vou eu em busca de alívio às dores do corpo. Lugar bonito, pequeno, mas tudo pintado de branco, uma vela aromática, coisa de quem quer mesmo relaxar a pessoa que vai lá. Não tinha mais ninguém, e aquela privacidade já me deixou mais tranquilo, pois a probabilidade de alguém me ver lá, e esse alguém dizer o que viu lá para alguém conhecido meu já cairia consideravelmente. Ela veio me atender, sorriso largo, me chamou pelo nome, profissional competente, deve ter lido minha ficha, uma morena com aparência dos seus quarenta e alguma coisa, mas em muito boa forma, não pude deixar de dar aquela conferida de alto a baixo, coisa que ela, como todas as mulheres, percebeu de imediato. Pediu que me sentasse, dissesse a ela o que me incomodava, expliquei, ela riu, isso é coisa mais comum do que imagina, fica tranquilo que você vai sair daqui sem dores, pode confiar. Ela percebia que eu ainda estava desconfortável, mas não por ela, pelo contrário, uma excelente profissional, assim, já paramentada, tentava ir conversando para descontrair, me deixando mais solto, aplicou um anestésico que fez com que ela em pouco tempo tirasse a espícula encravada sem maiores sobressaltos da minha parte. Se eu soubesse como a solução era tão mais simples, teria me permitido antes isso.
– Sua tia me contou que estava com receio de vir, achou que iria doer muito?
– Não necessariamente, não que eu goste da dor, mas, sabe como é, o que mais me incomodava era algum amigo saber que venho em podóloga e ficar tirando um sarro de mim…
– Ah! Que machismo bobo, hoje em dia posso te dizer que atendo homens e mulheres quase que em proporções iguais. Mas, eu entendo. Espero que saia daqui com outra impressão.
– Tenha certeza que minha impressão sobre você foi a melhor possível.
Vi que ela esboçou aquele sorrisinho de canto de boca, como que interpretando o que eu disse de outra forma, o que me fez passar sim a interpretar o que eu disse de outra forma.
– Ela também me disse que infelizmente anda meio chateado com o término do seu relacionamento.
– Minha tia é muito da fofoqueira – e sorri, meio envergonhado de ter minha intimidade exposta dessa forma – mas, sim, fui trocado por um garçom. (Obviamente não iria ficar valorizando meu algoz).
– Isso é assim mesmo, os tempos são diferentes hoje, tudo é mais efêmero, logo mais você também arruma outra e essa chateação não será mais que uma lembrança na sua coleção de histórias para contar aos netos.
– Sim, será, mas, é como a unha encravada… até que se tire, parece a pior dor do mundo, e nada mais prende tanto sua atenção como isso. Logo será um detalhe, mas, até que removida da minha vida, essa garota ainda me incomoda muito.
– Pois te digo por experiência própria. Quando me separei, pensava parecido; que iria ficar pobre, que não valia nada, que estava velha, que jamais teria carinho de um homem novamente, mas, também ‘desencravei minha unha’ e hoje levo uma vida normal, superei isso e ele só não é uma vaga lembrança em minha vida porque as filhas que tive com ele não me permitem isso.
– Poxa, bom saber que deu a volta por cima. Você é ainda muito bonita para pensar como pensava. – aí foi minha vez de esperar a reação dela.
E a reação veio tal qual eu esperava, ela ficou toda envaidecida com isso, e insistiu que eu voltasse para cuidar também das outras unhas, antes que ficassem como aquela que ela havia acabado de desencravar.
– Não precisa marcar com sua tia, já que gosta de discrição. Anote o número do meu celular e me chama.
– Estou com uns amigos num barzinho, o que está fazendo?
Sim, a gente conversou mais vezes a ponto dela me mandar essa mensagem num dia aleatório. Disse a ela que estava de boa em casa, vendo filme, e ela me chamou pra ir lá tomar umas com eles, que eram só gente boa e que ela juraria não contar que eu cuidava dos pés com ela. Bom humor era sua característica marcante. Eu pensei que poderia ser uma boa sair pra ver gente diferente, me arrumei e fui. Amigos muito divertidos, como ela, falavam de tudo, de política a como o aquecimento global ainda vai nos matar. Foram horas muito agradáveis, quando, na hora de me despedir, ela emenda, meio que no pé do meu ouvido:
– Acabei ficando sem carona pois cada um vai para seu lado, pode me deixar na minha casa?
Claro que eu não deixaria de prestar esse favor. Já no carro, achei que era a hora de ousar um pouco mais, perguntei a ela se ao invés da casa dela, poderíamos dar uma volta aleatória para outro lugar.
– Achei que nunca iria me propor isso. Já está mais que na hora de desencravar a Ágata da sua cabeça, e eu vou te ajudar com isso.
Mesmo sendo mais jovem, ainda fico surpreso com a iniciativa das mulheres hoje, ainda mais no caso duma mais velha que eu, amiga da tia, mas, o instinto falou mais alto, paramos num motel que eu conhecia, e lá, realmente eu vi que ela tinha todos as qualidades para me fazer esquecer Ágata de vez. Aquele corpo nu, moreno, muito bem cuidado, arrancou do meu sensações que eu sequer sabia que ele poderia produzir. Uma mulher quando se entrega por inteiro, sem pudor, é algo indescritível. E, pelo sorriso de satisfação e o convite para continuarmos a nos ver, foi recíproco.
A gente se via toda semana, comecei a frequentar a casa dela, conheci as filhas, o vínculo foi se tornando mais forte. Eu pensava bastante nela, a ponto de um dia, depois de mais um ápice de prazer, eu vaticinar no seu ouvido:
– Quero namorar com você. Está maravilhoso o que estamos vivendo. Quero formalizar isso, não ficar mais fingindo que sou seu amigo para os outros, e só te encontrar em motéis.
Vi que o semblante dela mudou. E não foi para melhor. Levantou-se da cama devagar, começou a se recompor, e com calma me explicou que isso era impossível. Ela já era mais velha, família pronta, filhas quase adolescentes, um ex marido que ainda tinha contato por força das circunstâncias, e mais um monte de motivos, uns, fúteis, na minha opinião, outros, até mais embasados, como o de que eu também iria querer constituir família e que isso já tinha passado para ela, e resumindo, me mandou um sonoro ‘não’ à queima roupa. Que a gente continuasse se vendo, o papo era bom, o sexo era ótimo, a companhia, perfeita, mas nada além disso para não nos machucarmos.
E aqui estou eu, nessa mesinha do pub que perdi Ágata, ‘bebemorando’ a perda da minha podóloga maravilhosa, ouvindo Axl Rose grasnar as novas músicas dele tentando ser o que era em 1992, esperando o garçom me trazer um uísque com gelo para esfriar minha cabeça que insiste em pensar onde foi que a chave inverteu, e as mulheres, que antes ansiavam pelo compromisso, hoje fogem dele como o Diabo da cruz. Opa, agora, apertando o dedão esquerdo no tênis, senti uma fisgada…
Sem palavras, que venham mais trabalhos como esse…
Muito obrigado, pode aguardar que teremos novidades.
Ansiosa para ler mais
Pode esperar que logo teremos novos contos.
Ari, adorei o seu artigo sobre unha encravada! Sua escrita é envolvente e conseguiu transformar uma situação desconfortável em uma leitura divertida e cheia de personalidade. É impressionante como você consegue trazer leveza e humor ao abordar temas do cotidiano, tornando o texto cativante e identificável. Parabéns pelo talento em contar histórias que prendem a atenção do início ao fim! Não vejo a hora de ler o próximo…
Fico muito feliz de ler isso, realmente, é combustível para continuar. Pode deixar que logo te dou mais trabalho, rssss.