Na história da música brasileira, poucos nomes brilharam tão intensamente — e foram apagados com tanta crueldade — quanto o de Wilson Simonal. Assisti no final de semana sua cinebiografia, intitulada “Simonal”, de 2018, dirigida por Leonardo Domingues e vencedora do Festival de Cinema de Gramado daquele ano. Dono de uma voz poderosa, carisma inigualável e um talento que o elevou ao estrelato internacional, Simonal foi, antes de tudo, um artista negro que ousou ser rico, famoso e dono do próprio nariz em uma época em que a sociedade brasileira ainda relutava em aceitar tais protagonismos. Sua queda, no entanto, não veio por falta de talento, excessos ou saturação do seu mercado consumidor, mas por um mecanismo que hoje reconhecemos bem nas redes sociais: o cancelamento.
Partindo duma infância comum, Simonal vai descobrindo seus dotes artísticos e aprende muito bem a explorá-los, tornando-se um cantor de voz marcante e muito carismático, que prendia a atenção de qualquer público, fazendo-o interagir ao seu bel prazer. Isso faz com que ele classifique a si mesmo como um dos maiores artistas nacionais, e sua certeza disso reflete em seus carrões luxuosos, casas faraônicas e mulheres exuberantes. Porém, nos anos 1970, em plena ditadura militar, Simonal foi acusado de delação após uma disputa trabalhista com seu ex-contador. Ainda que nunca comprovada, a acusação se espalhou como rastilho de pólvora, alimentada principalmente por desafetos seus da música e do jornalismo. Rádios pararam de tocar suas músicas, programas de TV o excluíram, e a imprensa escrita o tratou como pária. De um dia para o outro, o homem que vendia milhões de discos e encantava plateias do mundo inteiro virou ‘persona non grata’ em todo o Brasil, ou, como ele mesmo classificou, ‘um exilado em seu próprio País’.
O cancelamento de Simonal não foi apenas profissional, foi também existencial. Perseguido, caluniado e abandonado, ele viu sua saúde física e mental se deteriorar. Tentou inúmeras vezes provar que eram calúnias, sem sucesso, pois não lhe era mais concedido espaço para sua defesa. O mesmo sorriso que conquistou fãs esmoreceu sob o peso do ostracismo. E, enquanto a máquina midiática seguia em frente, ele foi reduzido a um “vilão” convenientemente esquecido.
Hoje, vivemos em uma era em que o cancelamento infelizmente se tornou prática corriqueira, muitas vezes executado sem direito a contra argumentação ou nuances. A história de Simonal nos ensina que por trás de um nome viralizado como “inimigo público”, há um ser humano cuja queda pode ser irreversível. Como nos proteger, então, a fim de mantermos ao máximo possível a justiça num momento desses? Tente se pautar por esses conselhos: contextualize, sem nunca simplificar, porque a vida é complexa, e julgamentos sumários raramente capturam a verdade inteira. Sempre exija provas, não acreditando apenas em acusações, afinal, se Simonal foi condenado sem julgamento justo, quantos outros não sofrem o mesmo hoje? Além disso, lembre-se sempre da humanidade do outro; artistas, políticos, figuras públicas, todos são pessoas, não personagens descartáveis duma encenação. E por fim, nada de seguir manadas, porque o cancelamento na maioria das vezes é um espetáculo de moralismo vazio. Resistir à pressão do linchamento virtual é um ato de coragem.
Simonal morreu em 2000, sem ver seu nome totalmente reabilitado. Mas sua história permanece como um alerta: o cancelamento não é um fenômeno novo, e suas vítimas muitas vezes são aqueles que ousam ser grandes demais, negros demais, livres demais. Que seu legado nos ensine a combater não apenas injustiças do passado, mas também as que se repetem, agora com likes e shares.
Recomendo verem o filme. Wilson Simonal merecia mais. E nós, como sociedade, também.
📰 Esta publicação também está no jornal O Democrata!
Nosso artigo foi publicado na edição do dia 26/04/2025 do jornal O Democrata, na página 5.
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Caramba, muito bom! A cada conto novo que sai, me surpreendo mais com a criatividade e inteligência! É realmente um dom muito bem aproveitado, parabéns!