Teodoro, o Tatu, saiu de sua toca nos Cafundós do Judas mais uma vez. Não porque queria, mas porque sentiu um cheiro estranho no ar. Algo não estava certo. Cheirava a terra revirada, mas não por ele, e sim pelo governo, sempre tão criativo em cavar buracos para os outros caírem.
Desta vez, a grande inovação era transformar o FGTS do trabalhador em moeda de troca para crédito. A ideia era simples: pegar o dinheiro que, em teoria, já é seu, mas que você não pode usar, e permitir que os bancos usem para emprestar para você mesmo – com juros, é claro. Um gênio financeiro teria dificuldades em bolar algo tão engenhoso!
Teodoro não se aguentou e foi direto à Capital da Nação falar com os responsáveis por essa jogada brilhante.
— Meu nobre mandatário, ouvi dizer que agora o trabalhador pode pegar empréstimos usando o FGTS como garantia. Que maravilha! — disse o tatu, ajustando sua couraça azul com faixa branca.
— Pois é, Teodoro! Estamos dando ao povo liberdade para gerir seus próprios recursos. Isso é democracia econômica! — respondeu o Excelentíssimo Senhor do Poder, com um sorriso mais escorregadio que muco de jabuti.
— Liberdade? Quer dizer que agora o trabalhador pode sacar o dinheiro dele quando quiser? — perguntou Teodoro, já sabendo a resposta.
— Ah, não! Claro que não! Mas ele pode usá-lo para garantir um empréstimo e pagar juros módicos. E olha que beleza: se ele não conseguir pagar, nós ficamos com o FGTS dele. Segurança para todos!
Teodoro coçou o focinho. Havia algo muito familiar naquela proposta. Lembrou-se de uma prima distante, a Capivara Clotilde, que, para conseguir crédito no banco, teve que penhorar a própria toca. E agora morava de favor em um buraco emprestado por um gambá.
— Mas Excelência, se o cidadão precisa de crédito, não seria porque o salário dele não está dando conta? Não seria mais fácil aumentar o poder de compra em vez de endividá-lo ainda mais?
— Aí você quer demais, Teodoro! Se dermos muito dinheiro ao trabalhador, ele vai parar de trabalhar! O que mantém o Brasil girando é o sonho de um dia sair das dívidas, não o dinheiro no bolso!
Teodoro piscou, atordoado. Era como dar uma pá a um tatu e dizer que ele agora tinha liberdade para cavar seu próprio buraco… desde que o buraco fosse propriedade do banco.
Decidiu, então, entrevistar os próprios trabalhadores para entender melhor essa maravilha econômica. Encontrou um operário que, animado com a nova linha de crédito, tinha acabado de pegar um empréstimo para pagar o aluguel atrasado. Agora, além do aluguel, tinha uma nova dívida, mas, como o banco lhe garantiu, “com juros bem menores que os normais”. Um desconto especial, só para ele! Quem disse que a elite financeira não é generosa?
Mais adiante, viu um pai de família que usou o FGTS para garantir um crédito e comprar comida. “Mas e quando precisar desse dinheiro no futuro?”, perguntou Teodoro. “Ah, futuro é luxo, Tatu! Se eu estiver vivo até lá, eu penso nisso!”
Foi então que Teodoro percebeu: a grande sacada dessa medida era a criação de um ciclo econômico inquebrável! O trabalhador pegava um empréstimo porque não tinha dinheiro, pagava juros para o banco, perdia parte do FGTS se não conseguisse pagar, e depois… pegava outro empréstimo para cobrir o buraco! Um verdadeiro moto-perpétuo financeiro, sustentado pelo desespero da população!
Com um suspiro cansado, Teodoro decidiu que estava na hora de voltar para sua toca. Mas antes, ligou para um coach financeiro para aprender como transformar buracos em oportunidades de negócio. Afinal, se tem gente lucrando com a crise, por que não ele? E assim, Teodoro decidiu lançar um curso online: “Cave Seu Próprio Futuro – Como Sobreviver ao Milagre Econômico Brasileiro”. Inscrição barata, só 12 parcelas de um salário-mínimo, com juros especiais – e garantia no seu FGTS, é claro.
📰 Esta publicação também está no jornal O Democrata!
Nosso artigo foi publicado na edição do dia 12/04/2025 do jornal O Democrata, na página 5.
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