TEODORO, O TATU

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Vaidoso, com sua couraça azul com faixa branca de fora a fora, Teodoro, o Tatu, saiu de sua toca, lá do Cafundós do Judas, a fim de salvar a sua Nação em perigo. Desta vez, a ameaça não era apenas um vírus, mas uma série de crises entrelaçadas: inflação galopante, desemprego, polarização política e uma sensação geral de que o país estava à beira do colapso. O vírus “Corrupitólius Brasicômico Jeitinhus” ainda circulava, mas agora havia mutações ainda mais perigosas, como o “Inflacionarius Desempregus” e o “Polarizatus Extremus”.

O caos estava mais instalado do que nunca. Mães, com filhos de 10 anos de idade, mentiam  essa idade para o cobrador do ônibus, mas, quando descobertas, precisavam escolher entre pagar a tarifa ou comprar comida, já que o preço do pão havia subido tanto que parecia um item de luxo. O empresário de sucesso, bebia uísque importado, envelhecido 21 anos até enxergar dobrado, e saía pelas ruas dirigindo seu carro elétrico, financiado por um programa governamental que prometia sustentabilidade, mas que na prática só beneficiava os mais ricos. O policial, ainda com salário ínfimo, agora recebia propinas em criptomoedas, uma forma moderna de corrupção que deixava menos rastros, tanto para o governo quanto para sua esposa oficial.

O pai de família, ainda o provedor máximo daquele núcleo de respeito e moral, batia no filho por usar um aplicativo de namoro que ele não entendia, e raspava a cabeça da filha por ela ter se identificado como não-binária. Depois do suposto futebol de quarta-feira, e de beber uma dúzia de cervejas artesanais (que ele comprava com dinheiro emprestado), ele dirigia sua moto até esquinas escuras, onde meninos e meninas se vestiam de qualquer coisa que lhes desse um pouco de dinheiro para sobreviver. Satisfeito, chegava em casa e humilhava a esposa, agora com a desculpa de que ela não entendia os desafios de ser um homem moderno em um país em crise.

Mas, essas mesmas mães, esse mesmo bêbado rico do carro elétrico, o mesmo policial, o mesmo pai de família, e mesmo o filho que não sabia se relacionar com gente real, quando contaminados pelo vírus, ficavam completamente cegos pelo que faziam, mas com uma visão apuradíssima do que os outros faziam de errado. Eles iam para as ruas protestar contra o governo, mas agora também protestavam contra os protestos dos outros. Batiam panelas nas janelas para afastar os maus espíritos da inflação e do desemprego, e iam para as redes sociais para anunciar a cura do “Inflacionarius Desempregus”. Cada um tinha sua solução milagrosa: que bitcoin era bom, que dólar era bom, que ouro era bom, que investir em ações de empresas estatais era bom, e que o governo deveria imprimir mais dinheiro para resolver a crise. E outros ainda, que nem existia crise, que isso era tudo papo de extremistas para derrubar o Santo Judiciário Nacional. E sempre havia quem acreditava, dizendo aos quatro ventos que tinha encontrado a salvação, a cura, a verdade.

Até que Teodoro, o Tatu, vaidoso como era, com sua couraça Azul de faixa Branca, saiu de sua toca e decidiu acabar de vez com as crises que assolavam seu pobre povo. Começou fazendo uma live com alguns influenciadores digitais incorruptíveis, mas, quando acabou a transmissão, estes queriam 30% dos patrocínios para si próprios, e Teodoro os abandonou. Daí, resolveu entrevistar economistas renomados em seu canal do YouTube para acalmar o povo com boas notícias sobre a economia, mas os mesmos disseram que o cachê para dar boas notícias era mais alto do que para dar más notícias, pois boas notícias eram mais difíceis de elaborar e davam menos engajamento. Então, o Tatu também os abandonou.

Foi aos jornais, à TV aberta, à TV por assinatura, às ONGs de apoio ao mais carente, às Igrejas, mas a resposta que ouvia era sempre a mesma: “Quanto vamos ganhar com isso? Nada? Ah! Então, infelizmente, não podemos fazer nada nessa situação. É duro, sabe como é, numa crise, alguns perdem tudo mesmo. É a Lei do Mercado, é assim desde que o mundo é mundo, não adianta mais tentar se colocar ovo em pé, até porque, hoje em dia não se deve desperdiçar ovo.”

Então, vendo-se um soldado abandonado no front de batalha sozinho, ele apelou e foi à Capital da Nação, falar com o mandatário maior, para juntos acharem a cura para os vírus mutantes. Acompanhem a conversa:

– O que podemos fazer para acabar com o “Inflacionarius Desempregus” e o “Polarizatus Extremus”, Vossa Excelência?

– Esses vírus são apenas mutações, Teodoro, meu companheiro. Faz mais de quinhentos anos que chegaram aqui. Contagiaram nobres, comerciantes, escravos, cafeicultores, artistas, desde a mais alta casta, até à ralé. Acho mesmo que essa história de vírus novo que causa crise nova é balela, no máximo o efeito será uma recessãozinha. Eles já se tornaram parte do organismo do povo dessa nação. Não há mais o que fazer, Teodoro. Mas, se quer mesmo ajudar com algo, use da sua notoriedade por aqui para pedir uns votos na próxima campanha. Não para mim, que já fiz alguns testes e todos deram negativo para esses vírus, comigo, crise não se estabelece, então, nada que faço é visando vantagem própria, mas, para ajudar os filhos de um desafeto meu, são uns coitados que precisam tomar um rumo na vida, para não acabarem presos, como provavelmente será o fim do pai deles. Eles não têm culpa do genitor que tiveram. Nada para mim, Teodoro, nada. Tudo pelo social.

E assim, desapontado com tudo o que viu e ouviu, Teodoro, o Tatu, aprendendo também a pensar só em si, como um herói que perdeu a batalha e foi condenado ao ostracismo, fez um treinamento com o maior “coach” de finanças pessoais que conheceu, com nome de dublador de programa de auditório, e foi lançar sua marca de NFTs no Instagram, a fim de cavar, não só seu buraco para voltar para casa, mas também alguns “likes” e grana para si mesmo, e claro, se recusou a fazer o teste de detecção dos vírus, afinal de contas, ‘só pega, quem testa’.


📰 Esta publicação também está no jornal O Democrata!

Nosso artigo foi publicado na edição do dia 22/03/2025 do jornal O Democrata, na página 5.

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Olá, eu sou Ari Jr

Sou escritor, blogueiro e viajante. Ser criativo e fazer coisas que me mantêm feliz é o lema da minha vida.

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Marcelo Cappelletti
Admin
3 meses atrás

O texto “Teodoro, o Tatu” é uma crônica genial, recheada de ironia fina e um humor amargo que traduz com maestria o sentimento de milhões de brasileiros: frustração. E não aquela frustração superficial, mas a profunda — que nasce da constatação de que somos governados por um sistema que, a cada ciclo, nos promete salvação mas entrega apenas versões melhoradas do mesmo velho descaso.

O governo retratado — ainda que não seja nomeado diretamente — é claramente o da atual situação. Um governo que se especializou em relativizar problemas reais com discursos banais. Onde o mandatário maior, em vez de propor soluções, prefere ensaiar sua próxima fala para agradar um público que ainda o vê como salvador. Enquanto o país afunda em crises interligadas, ele segue no topo, distribuindo promessas vazias, sempre pronto para a próxima campanha, mas nunca para governar de verdade.

A narrativa de Teodoro, que tenta lutar contra o “Inflacionarius Desempregus” e o “Polarizatus Extremus”, expõe de forma dolorosamente cômica como tudo virou moeda de troca, palco de autopromoção e vitrine para vaidades. O herói — ou melhor, o último a acreditar que algo pode ser feito com dignidade — se vê cercado por um mar de oportunistas, influenciadores com preço, economistas vendidos e líderes religiosos de contrato em mãos.

E quando finalmente busca diálogo com quem deveria estar liderando o combate, ouve um deboche institucionalizado: “Esses vírus sempre estiveram por aí, Teodoro”. O que deveria soar como uma análise histórica, na verdade é um aceno resignado de um governo que não só lava as mãos como ainda quer nos vender o sabão.

O texto escancara o que o cidadão comum sente mas às vezes não consegue verbalizar: a certeza de que as instituições estão comprometidas com a própria manutenção de poder — não com o povo. Que a política virou palco, e o povo, figurante.

Mas a crítica mais poderosa do texto talvez seja o fim: quando o Teodoro, cansado de lutar, decide virar coach e vender NFT. É a metáfora perfeita de um país onde até quem sonha em salvar acaba se rendendo ao sistema, não por falta de coragem, mas por excesso de realidade.

A crônica é uma aula de crítica social disfarçada de conto absurdo. E, infelizmente, a parte mais absurda é que nada ali está tão longe da realidade quanto gostaríamos.

Ari como sempre detonando…

Marcelo Cappelletti
Responder para  Ari Jr
3 meses atrás

Superar você? IMPOSSÍVEL, sempre com um olhar incrível sobre os acontecimentos, não escrevo muito para não gerar MIMIMI, o mundo tá muito nutela hoje kkk.

Mas continue, e superar você é IMPOSÍVEL….. escrita perfeita.

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